Mas tal designação – “produção incomensurável” -
não é para a história da literatura uma qualificação, mas um problema. O
“incomensurável“ não é só então uma mera curiosidade, só então puramente
simples fato biográfico, quando reflete a ele um importante processo histórico
em uma exemplaridade contínua, quando não é uma saída individual desesperada
dos problemas pessoalmente muito ou de modo algum solucionáveis, mas se mostra
justamente em sua singularidade, em seu ultrapassar das normas como necessário.
Por isso – e não por motivos puramente filológicos
– o estudo da história do desenvolvimento é importante exatamente aqui. O
Goethe idoso afirmou continuadamente que a concepção do “Fausto” já estava
estabelecida para ele desde cinquenta até sessenta anos. Sobre a exatidão desta
afirmação há muitas discussões entre os historiadores da literatura. Nós
consideramos essa discussão inútil: Goethe tanto tinha razão como não tinha.
Indiscutivelmente ele considerou o “Fausto” já na sua juventude como poesia
universal, exatamente as possibilidades que estão no mito o atraíram. Mas
igualmente não há dúvida de que ele não escreveu a mesma poesia que diante dos
seus olhos na juventude. O crescer do “Fausto” com a vida e as experiências de Goethe
não é simplesmente um amadurecimento, um desenvolvimento de um germe primitivo,
é ao mesmo tempo uma transformação radical. Por isso a continuidade do trabalho
no “Fausto” não contradiz o fato de que Goethe o abandonou repetidas vezes por
décadas, de que ele considerou a obra longo tempo como fragmento necessário,
tampouco, quando as anotações de Goethe comprovam que originalmente não havia
absolutamente nenhum plano padronizado de “Fausto”, mas somente cenas isoladas
foram realizadas e enfileiradas separadamente cenas isoladas.
(Em casos isolados até mesmo a sequência correta
estava indefinida. A cena “a floresta e a caverna” (“Wald und Höhle”) aparece
primeiramente no fragmento de 1790, mas recebe o seu lugar certo só em 1808). E
ainda bem mais tarde aparecem mudanças radicais, assim em especialmente com
relação à aparição de Helena na segunda parte, cuja fundamentação dramática
levou à criação da clássica “noite das bruxas” (“klassischen Walpurgisnacht”).
Tudo isso não exclui uma ideia básica positiva, sujeita a mudanças. Quanto
menos , quando a ideia aqui não pode ser entendida no sentido de uma formulação
abstrata, mas como uma determinação concreta, como um horizonte, como a
perspectiva do desenvolvimento de uma forma certa. Com a conservação dos esboços
apresentados de modo bem geral do seu destino, foram possíveis leves,
“subterrâneas” transformações dos problemas, sua gradativa inversão ao
contrário, sem que elas precisassem aniquilar a unidade da figura do “Fausto”.
O mito como base facilita tal história do
desenvolvimento. Gorki tem toda razão, quando acha que tais mitos como o de
Fausto “não são ‘frutos da imaginação’, mas completamente legítimos e
necessários exageros dos fatos reais”. São grandes, reais, históricas
tendências da vida que o poético trabalho do povo trouxe ao ser e condensou
neste nível nas personagens. Em tais personagens o jovem Goethe via vivamente
diante de si os problemas mais profundos de uma época, sensorialmente palpáveis
e certamente todas as profundezas com grande facilidade, e ao mesmo tempo ele
via nelas os símbolos das questões mais penosas de sua própria vida e seu
próprio tempo.
Esta identificação do próprio destino com o mito e
a dela seguinte conversão gradual e original do mito não é certamente nenhuma
“introjeção”, nenhum injustificado introduzir da própria subjetividade em um
assunto estranho, mas um aperfeiçoamento singular e independente da
autoconsciência da vida nacional, pois principalmente da vida da humanidade. A
época de Goethe, sobretudo a do jovem Goethe, tinha ainda essa capacidade para
o remodelar orgânico das tradições folclóricas do mito. Especialmente o jovem
Goethe distingue-se da maioria dos seus contemporâneos de tempo e idade pelo
fato de que os seus temas preferidos são tais mitos populares (Fausto, o Judeu
Eterno, Prometeu) ou figuras históricas, nas quais a tradição popular colaborou
(Maomé, César, Götz von Berlichingen) e nas quais a formação ou pelo menos o
período possui uma tal aura da tradição popular. Ele está com isso em rude contraste
às anedotas históricas tematicamente dramatizadas e casuais ou fatos isolados
da vida na produção do “Impetuosismo” (“Sturm und Drang”).
Tal aura da tradição popular é para grandes temas
neste gênero extremamente favorável. Ela deixa crescer vivamente a ligação do
mito com a atualidade, sem suprimir a relação orgânica do mito, pois a ação
reformadora do folclore dá efeito ininterrupto nos grandes temas, pode
tornar-se a atividade de um poeta importante para a legítima continuação do
trabalho poético- intelectual do povo. E desta maneira, como a continuação
orgânica da tradição popular, também a nova concepção do poeta individual
contém a capacidade interna para crescer e se transformar, só mudando nisso os
contornos humanos da forma principal, sem destruí-la.
É que evidentemente – conforme a época - o mito não
é igual ao mito. Cada um tem diferentes graus de vitalidade, de ser arraigado
no presente e, por isso, diferentes possibilidades de reorganização interna. Os
mitos aos quais o jovem Goethe se liga são – com ambas decisivas exceções de
“Götz” e “Fausto”- bíblico-religiosos no mais amplo sentido da palavra ou
antigos. Eles surgiram, portanto, daquelas quantidades de representação que se
transformam, cuja primeira dominou as revoluções da Idade Média, da nova época
emergente até a de Cromwell, mas que na Alemanha do jovem Goethe – apesar do
grande êxito inicial do “Messias” de Klopstock – começou a extinguir-se, cuja
segunda foi a partir do Renascimento uma bandeira da renovação espiritual da
Europa e que se tornou na Revolução Francesa e sob Napoleão a base das últimas
”ilusões heroicas” na Europa Ocidental.
Não é de admirar, que na Alemanha, isto despertou
neste tempo desde a Reforma e da Guerra dos Camponeses pela primeira vez para
uma vida espiritual, todos os elementos ideológicos da revolução burguesa –
frequentemente sem serem reconhecidos como tal - estavam de certo modo no ar e
fecundaram o criar do jovem Goethe. Mas a real imaturidade da revolução
burguesa, seu estar distante no futuro, exerceu reação sobre a vitalidade dos
velhos temas do mito, deixa as suas personagens perderem a cor. Assim resultam
desses círculos de temas nos escritos do jovem Goethe somente fragmentos
líricos, somente sentimentos e pensamentos; e os pensamentos sentidos tornam-se
mais vivos que os seres humanos em atividade.
Surgem as grandes obras completas, de forma alguma
por acaso, de ambas as exceções, que não são universal-europeias, mas
especificamente alemãs; “Götz” e “Fausto”. Goethe confirma até em “Poesia e Verdade”
(“Dichtung und Wahrheit”) a origem simultânea e idêntica desta escolha do
tema). O referir-se ao mito e a um passado meio mítico demonstra o instinto
profundo do jovem Goethe para a atualidade num alto sentido. Seu entusiasmo de
Strassburg pelo “gótico” não tem nada a ver com a Idade Média, não é nenhum
prenúncio do Romantismo. Goethe retoma em ambas grandes projetos da juventude,
que ele realmente executou, muito mais nas primeiras (e últimas) grandes lutas,
nas quais a Alemanha visa a separar-se da Idade Média: a Reforma, a Renascença
alemã, a luta entre o pequeno principado e a nobreza, a guerra dos camponeses.
(O poema “A Missão poética de Hans Sachsen” - “Hans Sachsens poetische Sendung”
-, de 1776, é uma reminiscência destes esforços).
Já na escolha de tais temas manifesta-se a
genialidade do jovem Goethe: suas censuras não são de caráter afastado,
puramente privado, mas desmoronam-se espontaneamente, de uma experiência
pessoal que brota espontaneamente, com as mais importantes tendências nacionais.
O despertar espiritual da Alemanha burguesa – um posto longamente escusado de
seu despertar político - reconduz-se por esta poesia às suas origens: à época
em que se rompeu a linha do desenvolvimento orgânico. A seu vivar poético deve
ideologicamente levar ao fato de que o fio da história novamente se retomasse.
O retroceder a este passado é na verdade uma investida necessária para o novo,
um refletir sobre a herança histórica.
Nenhum poro pode se renovar sem esta condição.
Contudo, para o tipo da sua renovação é decisivamente importante, onde e como
isso se liga ao passado, o que considera como herança. A volta à Idade Média no
Romantismo é por um lado um sintoma das tendências reacionárias na revolução
nacional, por outro um duro prejuízo e uma desorientação do posterior
desenvolvimento ideológico alemão. Friedrich Hebbel, que sempre estava
longamente distante de um pensar radical-democrático, recusa todavia esta volta
apaixonada à Idade Média. Ele vê a grandeza de Shakespeare no fato de ele não
recorre aos momentos arcaicos da antiga história inglesa, mas à guerra das
rosas, cujas consequências em seu tempo ainda eram vivamente sensíveis. E o
mesmo ele exige da relação dos poetas alemães para com a história alemã: “É
pois tão difícil de se reconhecer que a nação alemã até agora sempre não tenha
a mostrar nenhuma de vida, mas só uma história de enfermidade, ou acredita-se
seriamente poder curar a moléstia , através do álcool das solitárias de
Hohenstaufen, que lhe carcomeram as entranhas? ‘’O Goethe idoso chegou a
resultados semelhantes na leitura dos trabalhos de Walter Scott. Ele admira não
só a capacidade poética de Scott, mas, sobretudo, a própria riqueza da história
da Inglaterra. E ele compara a ela a pobreza da alemã, uma causa, porque quase
imediatamente após o “Götz von Berlichingen” sucedeu uma volta ao particular
por causa da escassez da temática alemã da história.
“Götz” e “Fausto” estão relacionados segundo a
concepção da história do jovem Goethe como “autocolaboradores em uma época
inculta anárquica” tanto objetivo como subjetivo historicamente: ambos
pertencem à época da Reforma; ambos são ao mesmo tempo formas de expressão
historicamente sensoriais para a nacional e política, para ideológica aspiração
de liberdade do jovem Goethe, que em sua universalidade e profundeza, em seu
estilo patético e em seus limites para todo um período na Alemanha foi símbolo
do desejo de libertação. O que “Götz” representou política e socialmente para o
jovem Goethe, “Fausto” significou para todos os problemas de ideologia e suas
transposições para a vida.
Por isso a dialética da liberdade em “Götz” do
ponto de vista ideológico e político profundamente confusa é uma chave
importante para que o projeto da juventude do “Fausto” precisou ficar
incompleto. Os limites na concepção da história alemã, da liberdade humana e da
sua expressão política – que o jovem Goethe compartilha com os ideólogos mais
importantes da sua época de juventude, com Herder e Justus Möser – não são
assim tão individualizados limitações e acanhamentos de personalidades
isoladas, como muito mais um reflexo ideológico do desenvolvimento da própria
Alemanha. Em contraposição à Inglaterra e à França no oeste, à Rússia no leste,
onde por toda parte a liga nacional das nações já estava substancialmente
consumada , quando o desdobramento econômico do capitalismo tinha feito uma
revolução civil democrática como ordem do dia, o desenvolvimento da Alemanha
traz em si a contradição de que a nascente sociedade burguesa tem a produzir
primeiro a unidade nacional, de que a obtenção da unidade nacional se torna a
questão central da revolução civil democrática (Lenin).
Esta situação peculiar na Alemanha, o resultado
peculiar do desenvolvimento tardio do capitalismo age enfraquecendo as
tendências revolucionariamente democráticas. Na Alemanha do jovem Goethe
aquelas massas plebeias, que na Inglaterra sob os puritanos, na França sob os
jacobinos impuseram a revolução democrática contra a burguesia, nem existiam
sequer em germe. Por isso a própria ideologia da vanguarda mais avançada não
pode ter aquela audácia que é tão característica para o tempo de preparação da
revolução na França e na Inglaterra. Uma ousadia revolucionária surge apenas
nos excêntricos esporádicos, isolados sem influência. Um verdadeiro programa
para a mudança revolucionariamente democrática da Alemanha só os líderes
teóricos do proletariado alemão puderam montar: no manifesto comunista, no novo
jornal do Reno.
Por isso o reatamento às revoluções anteriores só
aqui, em “a Guerra dos Camponeses” de Engels, pode receber uma expressão
consequente e historicamente certa. (Entretanto ela tem no movimento democrático
dos anos 40 precursores isolados; conforme Zimmermann). Para o jovem Goethe a
compreensão da guerra dos camponeses é impossível como uma revolução
democrática e em relação a isso para revolução democrática como alicerce da
Alemanha emancipada e unificada. Goethe tem absolutamente do começo até o fim,
como a maioria dos iluministas importantes, uma atitude negativa para com a
revolução, em especial para com a revolução democrática. Ele tem, como os
iluministas importantes, grandes e calorosas simpatias pelo povo oprimido; ele
critica como estes severamente os seus opressores; ele tem uma real compreensão
pelo sofrer heroico e também pela rebelião heroica dos vultos isolados. Mas a
própria transformação revolucionária da mais reprovável ordem social “de baixo”
lhe é antipática. O povo revoltoso ele considera, como Hobbes ao seu tempo,
como “puer robustus sed malitiosus”, como moços “fortes, mas maus”.
Apesar destas barreiras invencíveis, o Iluminismo
alemão – nascido tardiamente, desenvolvido rapidamente – cai logo sob a
influência da crítica plebeia do progresso na civilização capitalista. Lessing
ainda está no fundo criticamente recusante ao lado de Rousseau. Herder und
Goethe (como o jovem Kant) devem a ele algo decisivo. Naturalmente não se pode
considerar o jovem Goethe sem mais nem menos como um aluno de Rousseau; mas o
seu patriotismo, a sua exasperação sobre a desunião da pátria, volta-se,
frequentemente com acentos de Rousseau, contra os vitoriosos na guerra dos
camponeses, contra os usufrutuários da Reforma, contra os príncipes, contra a
política feita nas cortes alemãs, moral, cultura e civilização. Que esta
crítica “de baixo” em Goethe chegue a uma defesa da aristocracia da nobreza de
Götz, Sickingen e etc. turva a perspectiva, fá-la confusa, idealiza o herói
reacionário da sua juventude, que Marx chama de um “tipo miserável”. Mas deste
ódio plebeu rousseauista surge um quadro inexoravelmente verdadeiro do mundo
superior, do mundo das pequenas cortes: da sua insignificância e depravação, do
seu egoísmo mesquinho, do seu aniquilamento das melhores forças do germanismo.
E quando o par positivo, o embaixo saudável, é simbolizado político-falsamente,
assim a maioria dos traços belos e autênticos deste par são a simplicidade
burguês-plebeia e a honestidade, a rebelião contra a pseudocultura das cortes .
A este respeito o “Götz” concilia entre a “Emilia Galotti” de Lessing e “Cabala
e Amor” (“Kabale und Liebe”) de Schiller, contanto que ao jovem Goethe se
encontre também o patetismo de acusação de ambos.
A cavalaria de roubo do “Götz” é para o jovem
Goethe só um símbolo, uma expressão para a indomada, por nada detida
necessidade de liberdade do novo ser humano , da vanguarda ideológica que
reflete sobre si mesma da sociedade burguesa na Alemanha. O pouco
desenvolvimento da diferenciação social e política – nem se pode falar de
condições nem de classes, mas no máximo condições havidas e classes não
nascidas, diz Marx – tem como consequência o isolamento, o precisar de si
próprio dos ideólogos. Os inimigos estão claramente diante deles no feudalismo
palaciano. Como revolucionários burgueses eles querem exterminar o
provincianismo da nascente classe burguesa. Mas a massa dos intelectuais está
em parte palacianamente infestada, em parte afundada em uma imitação
desarraigada de um Iluminismo implicado (também uma adequação ao
provincianismo). Assim surge o ideal do “ajudante de si mesmo”. E a genialidade
poética do jovem Goethe mostra-se e produz “uma vitória do Realismo” nisso, que
ele apesar desta timidez lírica para seus heróis, apesar da idealização da sua
forma vê claramente não somente a derrota, mas também sua necessidade, que ele
– contra sua timidez – poeticamente revela as suas determinações social-
históricas. Se ele pode avaliar a rebelião de Götz e seu desfecho
subjetivamente como sempre, a sua configuração é vitalmente verdadeira e
historicamente autêntica. Por isso, apesar de toda recusa rigorosa do
personagem de Götz, Marx pode comportar-se afirmativamente em relação à obra de
Goethe. A ideia do “ajudante de si mesmo” em “Fausto está colocada ainda mais
ampla e mais profundamente.Já o mito ressalta para Goethe a necessidade de
assumir a universalidade do questionamento. Até aqui sem dúvida a lembrança
tardia de Goethe está certa, de que a configuração tanto do “grande” quanto do
”pequeno mundo”, da vida pública como da privada, desde o início tinha sido
tencionada. E como mostra a apresentação mais adiante (atos I e IV da segunda
parte) o “grande mundo” no “Fausto” não pode ser outro que aquele o qual foi
descrito na vida palaciana no “Götz”. Sua recusa tornou-se também cinquenta até
sessenta anos mais tarde não menos decisiva, só as ilusões sobre os “ajudantes
de si mesmos” cavalheirescos desaparecem sem vestígio: os cavaleiros aparecem
aqui assim do mesmo modo como uma aparição de solução como a corte, a igreja,
etc.
Mas este reconhecimento é o produto de um longo
desenvolvimento. As alusões ao “grande mundo” no “Fausto Primitivo”
(“Urfaust”), no fragmento do “Judeu Eterno” (des “Ewigen Juden”) mostram que um
universalismo na representação do século 16 alemão, da época das dores do parto
e do aborto de uma nova Alemanha poderiam ter produzido então somente uma
duplicata divulgada do segundo plano de Götz. O Fausto do primeiro fragmento
deveria ter fracassado neste mundo como Götz, como Werther arruinaram-se na
Alemanha nascida destas desordens.
Isto certamente não é ainda uma razão suficiente
para que o “Fausto” do jovem Goethe precisou ficar incondicionalmente um
fragmento. Não há prova documental para o fato de que a primeira concepção do
“Fausto” não era trágica e certamente também nenhuma para o contrário. A
comunhão do fundo histórico entre “Götz” e “Fausto” manifesta-se só de vez em
quando nas consequências diretamente temáticas, mas tem, pois, consequências
para ambas as obras da juventude uma atmosfera trágica comum. No “Fausto”,
porém, os problemas de toda uma outra extensão e profundidade são levantados, e
a insolubilidade (respectivamente a solubilidade meramente trágica das questões
social-históricas comuns falta muito para esgotar aqueles complexos que Goethe
precisou pensar e sentir de outro modo para chegar ao verdadeiro cerne de
“Fausto”.
A questão da relação que se reconhece com a
natureza, sobretudo a do conhecimento, a da relação do conhecer para a prática
(todas as três questões formam só uma) está aqui em primeiro plano. Já o mito
levantou estes problemas todos, embora em uma forma desfigurada. Não por acaso.
Pois todas as tradições do mito de Fausto provêm do “país inimigo”: são
luteranos, partidários entusiasmados da Reforma que trataram a lenda da
Renascença – os trágicos conflitos das exigências ilimitadas do ser humano
liberto da Idade Média de acordo com a omnisciência, de acordo com a atividade
ilimitada, de acordo com o ilimitado gozo da vida – do ponto de vista da
viciosidade religiosa de tais tendências, que moldaram um exemplo assustador do
herói da Renascença.
Evidentemente resplandece a grandeza primitiva e a
profundidade do mito da Renascença também destas desfigurações; evidentemente
um grande poeta como Marlowe fez muito cedo a tentativa de vivificar o espírito
da origem verdadeira. Contudo, esta tentativa de um restabelecimento da
profundidade original do mito não era poética e intelectualmente bastante
poderosa; por demais frequentemente ela se atolou em traços de adaptação
exteriores, mágicos, charlatanescos, fanfarrões, mágico- místicos, que a sua
reação não pode ser completa e duradoura.
Os grandes iluministas alemães Lessing e Goethe não
conheciam de modo algum Marlowe e dirigiram-se independentemente ao mito de
Fausto, para salvar o seu legítimo conteúdo do espírito do Iluminismo. Este
tipo de renovação era completamente orgânico e legítimo. Pois o Iluminismo é
realmente a legítima herança da Renascença. Mas esta tentativa precisou trazer
consigo ao mesmo tempo uma reorganização radical da concepção básica, porque em
consequência do desenvolvimento de mais de vinte anos todos os problemas
importantes do mito de Fausto foram colocados neste ínterim inteiramente de
forma diferente (os da individualidade criativa, os do bem e do mal, do
conhecimento e da vida, etc.).
O plano de Lessing significa uma mudança radical do
mito no sentido da florescência do Iluminismo: a tentação para o mal se perde
em pura aparência; a aventura de Fausto com o diabo, seu pacto com ele é um
mero sonho; a relação do conhecimento para a vida não é em última análise
problemática.
O jovem Goethe está muito mais diretamente ligado
ao mito. Mas no fato de que ele aqui é menos crítico no sentido do Iluminismo
que Lessing, ele tem ao mesmo tempo – certamente só no germe – outra relação
mais profunda para com o mal e seu papel contraditório na história da
humanidade. Nesta dubiedade espelha-se o desenvolvimento do Iluminismo alemão.
No jovem Goethe e em Herder surgem de determinadas tendências de dissolução do
Iluminismo, sob as condições específicas da Alemanha, as primeiras passagens
para a dialética idealista. Este movimento para frente do pensar burguês para o
seu ponto culminante aparece às vezes sob condições muito retrógradas
(frequentemente sem dúvida discordantes, só retrogradamente aparentes). O
conhecimento da contradição que surge sempre mais fortemente como base da vida
e do conhecimento é aqui o ponto central. Aqui não é o lugar para analisar a
história destes começos da dialética na Alemanha a nem mesmo alusivamente; nós
devemos nos limitar a algumas indicações. Aí está, sobretudo, a renovação de
Hamann da coincidentia oppositorum (da unidade do contraditório), que Hamann e
o jovem Goethe julgam assumir de Giordano Bruno; aí esta a influência
subterrânea de Vico, em cuja primeira leitura na Itália Goethe é lembram em
Hamann, embora este sob cada aspecto seja somente uma reminiscência diminuída
do grande italiano; aí está propriamente a dialética – não consciente como tal
– dos grandes iluministas, sobretudo de Russeau; aí está a influência de
Spinoza, que mesmo igualmente produz em direção da dialética. Todas estas
correntes de pensamentos influenciam o mais profundamente a visão de mundo do
jovem Goethe.
Desta forma o Iluminismo alemão encaminha-se com
Hamann, Herder e principalmente com Goethe para uma nova, contraditoriamente
mais alta fase do desenvolvimento. A descoberta de que a contradição é o centro
da vida e do conhecimento está inseparavelmente ligada com a historicidade de
todo o processo da vida. O desenvolvimento na natureza e na sociedade torna-se
o problema central, e com ele os alemães participam conduzindo naquela
transformação da filosofia, que culmina em Hegel, na criação de uma nova
ciência da história. Esta é certamente em parte uma continuação e
aperfeiçoamento das tendências do Iluminismo (Montesquieu, Gibbon, etc.), mas
em parte ela forma o historismo como uma visão de mundo universal. Nisto então
este movimento vai mais longe que o Iluminismo, ele aproveita os conhecimentos
da crescente revolução internacional nas ciências naturais, aproveita o nascer
do evolucionismo na biologia e assim por diante.
Todas estas tendências vivem no jovem Goethe por
enquanto sem dúvida apenas intuitivo-confusamente. Sua totalidade retida de
maneira intuitiva destina a posição de Goethe para o mito de Fausto. Elas
conduzem o tema de Fausto a profundidades e alturas totalmente deferentes, do
que foi possível em Götz, ligam-no, contudo, do mesmo modo muito com a época,
tanto com a do mito como com a de Goethe. A ocupação do jovem Goethe com
história do herege de Gottfried Arnold, com Paracelsus, Helmont e assim por
diante cria ao nível das ideias assim o ponto de origem para o acolhimento do
tema de Fausto como a autobiografi a Götz von Berlichingen suscitou o drama de
Götz.
Assim o jovem Goethe está muito mais próximo do
mito original que Lessing, e na verdade não somente em uma imitação
poeticamente muito mais íntima dos seus momentos de ação, mas como também na
renovação do espírito da Renascença, do conteúdo primitivo das ideias vertidas
pelos trabalhos luteranos. Mas esta renovação resulta do espírito do Iluminismo
alemão, dos esforços daquela época de transição para o pensamento dialético,
sobre a qual nós acabamos de falar. O consciente formar-se desta nova visão de
mundo é a base do trabalho vitalício de Goethe no “Fausto”; suas etapas
determinam o conteúdo e a forma das diferentes fases do desenvolvimento da
poesia. Nisto é característico que o desenvolvimento filosófico de Goethe para
a transição representa um papel decisivo neste processo de transformação; o
repensar do complexo histórico-social forma somente uma parte deste trabalho.
Nós deveremos examinar pormenorizadamente os
resultados da obra vitalícia de Goethe nos mais importantes complexos dos
problemas, formas e assim por diante. Aqui nós só escolhemos aqueles isolados
momentos - antecipando e com consciente parcialidade - que são apropriados para
elucidar os mais importantes pontos de transição no crescimento da poesia.
Sobretudo isto é o problema do conhecimento: a cena
do gênio da terra que constitui a substância filosófica essencial do “Fausto
primitivo”. A nascente aspiração para o pensamento dialético choca-se aqui em
primeiro lugar rudemente, sem mediação com o modo de pensar metafísico. O
despertar moderado pelo sentimento do novo método de pensar leva no jovem
Goethe a uma rejeição incondicional do pensamento de todo escolar,
escolástico-metafísico. Nesta oposição o jovem Goethe se aproxima muito da
rejeição do pensar escola de então pelos primeiros filósofos da natureza da
época do Renascimento. Assim ele pode deixar o seu herói do renascimento
exprimir os conflitos mais profundos do seu próprio desenvolvimento Ideal sem
falsificação histórica. Goethe está então muito distante da posterior
associação íntima do entendimento com a razão, da ordenação do saber intuitivo
para o processo total do conhecer, de um entendimento correto para a
necessidade irrevogável da reflexão e das suas categorias na simultânea
inevitabilidade da sua dominação. Por isso o jovem Goethe analisando rudemente
confronta um à outra – como Hamann, Jacobi, Lavater e outros companheiros da
juventude – o saber intuitivo e a reflexão analisada. Para o seu ponto de vista
preponderantemente moderado pelo sentimento a ideia da dialética significa: um
compreender intuitivo da unidade que move e movida do mundo no rejeitar
incondicional das determinações que se separam do entendimento em polar oposição
para elas. Mas enquanto Hamann e com ele a maioria dos companheiros
contemporâneos do jovem Goethe desta doutrina da intuição, que a deixam
entorpecer neste nível, foram levados a consequências reacionárias, Goethe
procura o caminho para um conhecimento real da agitada inconsistência da vida.
Deve–se concluir de “Dichtung und Wahrheit” (“poesia e verdade”) que este
buscar, o necessariamente associado rejeitar da ciência contemporânea com ele
formou o mais importante ponto de ligação ao mito de Fausto.
Porém já neste período prematuro pode-se observar a
reflexão crítica do jovem Goethe. Seu Fausto termina este caminho muito mais
radicalmente que Goethe. Deste radicalismo nasce o elemento trágico da cena do
gênio da terra. O anseio do Fausto é o mesmo que o do jovem Goethe: uma
filosofia da natureza, que leva a um completo viver compartilhado com a
agitação da natureza, uma filosofia, que ultrapassa o puramente contemplativo,
o objetivo morto, da desunião do conhecimento da natureza com a prática humana.
Por isso Fausto diz cheio de decepção depois do extasiante conhecimento das
relações macrocósmicas no sentido da filosofia da natureza do Renascimento:
“Que espetáculo! Mas ah! Só um espetáculo!
Onde eu a compreendo, natureza infinita?
No anseio, de chegar a este conhecimento, Fausto
evoca o gênio da terra. Mas aqui se abre o trágico precipício. Em vão Fausto
sente-se imensamente próximo ao gênio da terra citado por ele, este o fulmina
com as palavras:
“Você se assemelha ao espírito que você concebe.
Não a mim!”
Assim um espírito trágico sopra do mesmo modo que
em “Götz”. Não é nenhum acaso – sobre o que nós falaremos mais tarde
detalhadamente - que a configuração juvenil do conflito trágico entre o homem e
a mulher na tragédia de Gretchen recebeu aqui a mais dissonante, a mais
dilacerante forma. Ela domina a primeira versão do fragmento, do “Fausto
primitivo”. E sua configuração já é completa aqui, quando nós observamos
diretamente a tragédia de amor em si. O que foi acrescentado mais tarde
registra somente esta tragédia às grandes relações histórico-filosóficas da
visão de mundo do Goethe idoso. Mas sem essas relações ela deve ter um colorido
escuro-trágico. Só é consequente que no “Fausto primitivo” ao final sobre
Gretchen soam só as palavras de Mefistófeles: “Ela está julgada”; a resposta de
cima – “está salva” – consta pela primeira vez na versão definitiva de 1808.
Entre a retomada do trabalho no Fausto, que leva ao
fragmento de 1790, está o ministério de Weimar de Goethe e a sua para a Itália.
A tentativa de Goethe de transformar a sua visão do mundo em atividade política
fracassou e levou a uma decepção profunda. Sem dúvida, como isto evidente em
Goethe, ao mesmo tempo a um grande enriquecimento das suas experiências, do seu
horizonte social-histórico, cujas consequências conscientes se mostram todavia
só muito mais tarde. Mas a época de Weimar é ao mesmo tempo a da sua mudança
para a atividade sistemática com as ciências naturais, a dominação da intuição
moderada pelo sentimento da época da juventude. Esta atividade parte
primeiramente das necessidades práticas, mas levam já em Weimar e na Itália a
importantes descobertas no campo da nova doutrina da natureza, à concepção da
natureza como um uniforme processo do desenvolvimento (descoberta do osso intermaxilar
humano, plantas primitivas e etc.).
Embora estes admiráveis começos de sua definitiva
visão do mundo já começaram a se formar na época de Weimar, é a estada italiana
de Goethe,sobretudo, uma restauração, uma consolidação da própria personalidade,
seu restabelecimento como poeta, seu reatar à produção criativa várias vezes
interrompida. Por isso, não é de modo algum por acaso que na Itália a principal
importância produtiva não está em um novo criar, mas no terminar de escrever
dos antigos fragmentos iniciados na e até mesmo antes da época de Weimar:
“Iphigenie”, ” Egmont”, “Tasso” e “Fausto”.
De todas estas obras só o “Fausto” não foi
terminada. Novamente não por acaso. O trabalho no fragmento da juventude mostra
uma transformação radical de visão do mundo, entretanto ainda não a capacidade
de poder levar este realmente até o fim. A cena “Wald und Höhle” (“floresta e
caverna”) assim como o primeiro fragmento do diálogo entre Fausto e
Mefistófeles já deixam adivinhar bem claramente a direção em que vai aquela
mudança: a poesia universal posterior começa a receber seus contornos, o
projeto do “Fausto” começa a crescer para além do puro trágico do “Fausto
primitivo”. Isto não é, como veremos mais tarde, nenhum negar superficial do
trágico. A obra da vida de Goethe contém pelo menos do mesmo modo muitas e
profundas tragédias como a de outros grandes poetas. (“Egmont” e “Tasso”
recebem precisamente neste tempo a sua forma definitiva). Mas o trágico para
Goethe não é mais um princípio supremo; ele vê um desenvolvimento mundial que
passa vitoriosamente através cada tragédia.
Essa mudança se mostra mais claramente na nova cena
da “floresta e caverna”. (De mais a mais é muito característico para o estado
de transição, no Goethe então se encontra que esta cena decisiva da tragédia de
Gretchen no fragmento de 1790, ainda recebe um lugar puramente casual, que
incomoda a evolução psicológica da tragédia; ela aparece pela primeira vez em
1808, sem modificação, mas no lugar certo, como momento de transição ideológico
e humanamente dramático.) Aqui só nos deve ocupar o lado puramente ideológico.
Fausto refugia-se na natureza e encontra então uma resposta totalmente
diferente para sua pergunta do gênio da terra. As palavras de Fausto refletem a
nova concepção da natureza de Goethe, que ele adquiriu em Weimar, aperfeiçoou e
aprofundou na Itália. Estas palavras referem-se diretamente ao gênio da terra,
são uma continuação e uma dominação imediata, filosófica e poética no “Fausto
primitivo”:
“Espírito sublime, você me deu, você me deu tudo,
Pelo que eu pedi. Você não me virou em vão
O seu rosto no fogo.
Deu-me a magnífica natureza para reino,
Força para senti-la, para gozá-la. Não
Friamente você me permite só uma visita
surpreendente,
Permite-me olhar para o profundo peito dela,
Como para o coração de um amigo.”
Com foi dado o primeiro passo na direção da
transformação do ”Fausto” para aquela poesia universal, que está agora diante
de nós. Mas na Itália e na imediatamente seguinte época de Weimar, faltava
ainda muito para Goethe estar na condição, de tirar todas as conclusões do seu
novo sentimento do mundo, de empregá-lo poética e filosoficamente sobre todas
as aparições da natureza e da vida humana. Para isso, por um lado foi necessária
a experiência da reviravolta política na Europa do princípio da Revolução
Francesa até a queda de Napoleão, por outro lado a consciente adesão à nascente
filosofia dialética na Alemanha.
Após o regresso da Itália Goethe segue um cami8nho
aparentemente tanto política como filosoficamente oposto. Ele está horrorizado,
fora de si no sentido literal, com a Revolução Francesa; ele acentua,
sobreacentua até mesmo com frequência o caráter puramente empírico da sua
pesquisa da natureza, ele quer se afastar de cada influência da generalização
filosófica. É compreensível que nesta fase transitória a poesia universal
“Fausto” não podia tornar-se completa: o fragmento de 1790 é em determinado
sentido ainda mais fragmentário que o “Fausto primitivo”. Ele inclui, como foi
mostrado, cenas únicas importantes, que indicam em direção ao desenvolvimento
progressivo, sem que Goethe tivesse conseguindo mostrar o significado
filosófico e poético destes novos momentos em suas consequências. Por outro
lado ele omite as cenas finais da tragédia de Gretchen, no sentimento da
dominação inicial do puro trágico do “Fausto primitivo”; o fragmento termina no
meio da tragédia de Gretchen, sem lhe dar uma conclusão poético-orgânica.
A realidade mostrou-se muito cedo que os sintomas superficiais,
nos quais se manifesta a nova etapa do desenvolvimento de Goethe, só
representam uma aparência e escondem os decisivos fluxos por enquanto ocultos.
Sobre a mudança da posição de Goethe para com a Revolução Francesa nós não
podemos falar aqui pormenorizadamente; outra vez nós nos devemos limitar à
evidência de uns momentos decisivos. Nisso é, sobretudo, importante que a
primeira grande comoção de Goethe não saiu propriamente da Revolução Francesa,
mas do escândalo do colar (1785), que revelou a Goethe a profunda corrupção da
classe dominante francesa, o estar minado de todo o regime. É universalmente
conhecido que Goethe reagiu negativamente contra as tendências plebeias na
Revolução Francesa. Mas é do mesmo modo conhecido, como ele já percebeu claramente
ao canhoneio de Valmy (1792) que aqui começou uma nova época da história
mundial. E alguns anos mais tarde ele começa a enxergar com crescente simpatia
a nova sociedade burguesa emergente da Revolução Francesa e seu estado, que
alcançou seu ponto culminante na veneração por Napoleão, na parcialidade por
ele e contra a Alemanha do seu tempo. A rejeição de Goethe refere-se portando
somente aos métodos plebeus na realização da revolução, a determinadas
reivindicações plebeias; o essencial conteúdo social da Revolução Francesa,
todavia, ele afirmou em medida crescente. Característico é o que Goethe (em um
fragmento posteriormente suprimido) deixa o Mefistófeles dizer:
“Quem dera se a sabedoria existisse com a juventude
E as repúblicas sem virtude,
Assim o mundo estaria próximo ao mais alto
objetivo”.
(Que por “virtude” aqui se deve entender a fase da
revolução de Robespierre, não carece provavelmente de comentário).
As tendências antifilosóficas de Goethe após a
viagem Italiana são ainda mais somente uma aparência. Muito breve, na amizade
com Schiller, começa para Goethe um período de intensiva polêmica com a
filosofia clássica alemã em seu decisivo período de desenvolvimento: na época
da aparição de Fichte e do jovem Schelling, da época da origem dos escritos
estéticos de Schiller; para a época da transição principiante da filosofia
alemã do Idealismo subjetivo de Kant e de Fichte para o idealismo objetivo de
Schelling e de Hegel; para a época da formação dialética idealista. Goethe
jamais se associou de todo a qualquer corrente desta filosofia, mas ele tem uma
profunda simpatia para com os esforços natural-filosóficos do jovem Schelling e
mostra mais tarde em seu pensamento amplos paralelos com a dialética objetiva
de Hegel.
O quanto as tendências antifilosóficas da época
posterior à viagem italiana foram fenômenos superficiais, pura aparência, o
efeito literário do fragmento do “Fausto” de 1790 mostra do modo mais claro.
Ele foi acolhido nos círculos literários com bastante frieza: o importante
filólogo Heyne, Wieland, o amigo de juventude de Schiller Huber e o próprio
Schiller em seu período pré-filosófico manifestaram-se crítica e
reservadamente. Por outro lado todos os representantes importantes da filosofia
clássica alemã como Fichte, Schelling e Hegel receberam o fragmento
entusiasticamente e reconheceram imediatamente a sua importância como poesia
universal. E este efeito não ficou limitado de forma alguma às autoridades
representativas da reviravolta filosófica, ela penetrou antes toda a filiação
juvenil deste movimento. Quando Goethe em 1806 teve uma conversa com o
historiador Luden, este lhe contou sobre da tendência da juventude filosófica
em seu tempo de estudos perante o fragmento do “Fausto”. Os discípulos de
Fichte e de Schelling teriam falado assim:
“Nesta tragédia, se ela um dia aparecer completa, o
espírito de toda a história universal estaria representado; ela seria um
retrato verdadeiro da vida da humanidade, envolvendo o passado, o presente e o
futuro. No Fausto a humanidade estaria idealizada; ele seria o representante da
humanidade”.
Eles chamaram o fragmento de “Fausto” de “divina
tragédia” em alusão a Dante.
Nesta repercussão da tragédia entre os
representantes do movimento filosófico a coincidência com o desenvolvimento do
próprio Goethe, como ele foi agora mesmo esboçado por nós, é claramente
visível. Quando Goethe se dedica agora conscientemente à filosofia, assim deve
se repetido que ele não se associou a nenhum sistema emergente,
incondicionalmente, mas se deixou supostamente fecundar de todo processo da
nova dialética objetiva. Não é nenhum acaso que esta transição traz consigo ao
mesmo tempo a ruptura definitiva com as suas tendências da juventude e seus
representantes intelectuais e literários, sobretudo com Herder. Mas esta
ruptura refere-se somente a certas tendências específicas da fase final do
Iluminismo alemão. Com a ideologia dos iluministas mesmo Goethe nunca rompeu.
Sua filosofia é um crescer além do pensamento iluminista para a dialética com
uma herança iluminista muito mais incolumemente preservado do que se pode
observar até mesmo em Hegel; uma ruptura radical, como em Schelling, está
completamente distante em Goethe.
Assim ele é uma ponte viva, o órgão do além
conduzir pessoal da ideologia do século XVIII para a do século XIX. Nisto está
a singularidade da sua posição ideológica: a tradição de Montesquieu e
Voltaire, de Diderot e Rousseau nunca morre nele, ele inclusive (as tendências
para o materialismo inclusive), mas o seu desenvolvimento final vai além até
Hegel e Balzac e toca às vezes até os círculos do pensamento dos utopistas.
A consciência desta reviravolta filosófica forma a
base ideológica para a conclusão da primeira parte de “Fausto” (em 1806,
publicada em 1808). O que estava só esboçado no fragmento, transforma-se aqui
em uma realidade formada. Goethe realiza os primeiros grandes diálogos entre
Fausto e Mefistófeles e move com isto o papel de Mefistófeles na tragédia de
Gretchen pela primeira vez para a elucidação correta: a tragédia de Gretchen deixa
de ser o centro, ela se transforma em uma etapa trágica decisiva no caminho da
vida de Fausto, no caminho do desenvolvimento da humanidade. Também o “prólogo
no céu”, com o qual é acentuada a grande luta entre o bem e o mal sobre o
destino de um único ser humano, aparece só neste período. “Fausto” só agora é
notório para a poesia universal; a necessidade absoluta de uma segunda parte
concludente, tanto no sentido de conteúdo ideológico como no artístico, surge
pela primeira vez desta concepção e desta adaptação da primeira parte.
E de fato começa-se já agora o trabalho na segunda
parte. (Principalmente Goethe trabalha no episódio de Helena, mas provavelmente
também um bocado de outros nasceu nesta época). Apesar disso segue antes da
elaboração da segunda parte novamente uma grande pausa. Só por volta de 1816
começa o novo trabalho sério de composição detalhada e da execução real, a
qual, todavia, só nos últimos de todos os anos da vida de Goethe chega ao fim.
Nisso não é de modo nenhum um acaso que aquelas partes do poema, que se
contatam política, social e historicamente com o mundo de “Götz” (atos I e IV
da segunda parte), receberam a sua redação final o mais tardar de todas. Aqui
Goethe teve de realizar as suas mais difíceis lutas interiores para esclarecer
definitivamente as suas concepções sobre a história. A conclusão do todo já
estava há tempos nítida aos seus olhos e estava substancialmente pronta muito
antes, do mesmo modo o rodeio de Fausto sobre a reiteração da antiguidade.
O Goethe idoso formula o sentido da ação da segunda
parte como “o prazer da ação e o prazer da criação” em contraposição a “o
prazer da vida” da primeira parte. Mas para exprimir claramente ambas as
primeiras mental e poeticamente, era necessária uma opinião definitiva sobre
todo o período histórico da Revolução Francesa até a restauração, uma
perspectiva das consequências do desenvolvimento capitalista. Pois só daqui
para frente a concepção histórica da época da juventude, que recebeu a sua
expressão poética em “Götz von Berlichingen”, pode ser superada
definitivamente. Os elementos políticos e sociais da segunda parte do Fausto
apresentam como já dissemos por vezes o mesmo mundo como a obra da juventude.
Mas a concepção e perspectiva históricas tornaram-se completamente outras. E
correspondente a isso a apresentação deste quadro histórico ultrapassa o
ambiente estreito, especificamente alemão, todavia sem suprimir o seu caráter
especificamente alemão: Goethe critica aqui não mais só os especiais fenômenos
da decadência do feudalismo alemão, mas dá um quadro profundo e amplo da queda
do feudalismo, do seu apodrecimento na vida palaciana, ao mesmo tempo com a
apresentação daquelas forças, que o fazem realmente ir pelos ares: com o
desenvolvimento das forças produtivas através do capitalismo. Por isso Goethe
pode dizer a Eckermann com razão que a concepção básica também da segunda parte
seria bem antiga. “Mas”, acrescenta ele, “que eu a escreva agora (em 1829),
depois que me aclarei tão mais sobre as coisas mundanas, pode trazer proveito
ao assunto”.