Puschkin
considera “Fausto” uma Ilíada da vida moderna . Isto é extraordinariamente
dito, só falta para a correta concretização ênfase da palavra ”moderna”. Pois
na vida atual não é mais possível como na da antiguidade desenvolverem-se todas
as certezas do pensamento e a realização poética diretamente do ser humano. As
profundezas do pensamento, a totalidade das categorias da sociedade civil e a
perfeição artística não estão aqui associadas automaticamente, elas lutam, pelo
contrário, violentamente uma contra a outra. Da concentração goetheana destas
tendências contraditórias surgiu no real sentido da palavra uma criação
incomparável. O próprio Goethe chama isso de uma “produção incomensurável”.
O destino de
um ser é formado, e também é o conteúdo da poesia: o destino de toda a
humanidade. Os problemas filosóficos mais importantes de uma grande época de
transição apresentam-se diante de nós, não só intelectualmente, mas unidos
inseparavelmente com as organizações das últimas relações humanas sensualmente
arrebatadoras (ou pelo menos: brilhantemente decorativas). Essas relações
tornam-se agora crescentemente problemáticas. Uma inabalável unidade no sentido
espiritual pode prevalecer só num primeiro momento. O conteúdo intelectual, a
descoberta das relações social-históricas e da filosofia da natureza
pressionam, pois sempre mais fortemente a unidade sensorial das formas e das
personagens.
Este é o processo universal do desenvolvimento da
literatura no século XIX, que arruína a coesão e a beleza do mundo das formas,
sacrifica-o à inexorabilidade do novo grande Realismo e com isso causa “o fim o
período artístico”.
Não é por
acaso que a conclusão da segunda parte do “Fausto” ocorre quase ao mesmo tempo
da publicação de “La Peau de Chagrin” de Balzac: aquele Realismo que removeu o
“período artístico” resulta aqui ainda nas formas fantasticamente românticas,
enquanto lá o grande Realismo do “período artístico” despede as formas
fantasticamente alegóricas. Em Balzac: o fantástico prelúdio para o romance
moderno, em que se manifesta o efetivo/fantástico da vida capitalista. Em
Goethe: os fantásticos acordos finais do último período da conclusão da forma
na literatura burguesa. Balzac como Goethe vivenciam do mesmo modo este brotar
da nova vida, o dilacerar dos represamentos das velhas formas através desta
grande inundação. Mas Balzac busca penetrar as linhas de força internas deste
mesmo brotar para deixar nascer do seu conhecimento uma nova forma épica;
Goethe empreende uma regulamentação do dilúvio através das formas velhas e
recentemente constituídas.
Tal,
todavia, não é adequadamente realizável. Tão paradoxalmente isso também possa
soar: a solução definitiva de Balzac está para as grandes tradições do épico (e
suas versões modernas) mais próximas que o “Fausto” que qualquer informação
transmitida. Já a primeira parte ultrapassa o ambiente da épica ou da arte
dramática, e muito mais ainda a segunda: ele nem é dramático nem épico nem
menos, mas uma soma de impressões líricas, como o fim do século XIX as criou
seguindo justamente o ”Fausto” (Lenau). É uma “produção incomensurável”.