A luta pela parte essencial interna do ser humano é
o objeto do verdadeiro enredo do “Fausto”, cujo ambiente histórico-social nós
até aqui esboçamos. Esta luta se concentra no duelo Fausto-Mefistófeles. Qual é
seu objeto? Quais são as suas etapas principais?
Mefistófeles exprime seu programa claramente no
“prólogo no céu”: “Ele deve devorar a poeira, e com prazer”. Este programa se
baseia em sua concepção do ser humano e do emprego humano da razão:
“Ele o chama de razão e o necessita apenas, Para
ser somente mais bestial que todo animal”.
Com isto a concepção da vida e a direção do querer
estão claramente esboçadas. A realização concreta – justamente nisto mostra-se
a profundidade poética de Goethe – cintila nas mais diferentes cores e nunca se
deixa reconduzir a um princípio abstrato. Assim surge do Mefistófeles uma
personagem poética e viva, não a mera personificação do princípio do mal. Por
isso todas as tentativas de “definir” a sua personagem são inúteis e falsas.
É muito mais importante definir o seu raio de ação,
seu campo de força. Seu objetivo é, como no mito, conseguir a alma de Fausto.
Mas na concreta realização mostra-se o profundo afastamento ideológico de
Goethe do mito. Este é ainda grandemente medieval, ele vai dos princípios
independentes e rigorosamente separados do bem e do mal na luta pela alma
humana. Também a peça dos sonhos de Lessing conserva os elementos desta brusca
separação não dialética de ambas as forças combatentes, só que Lessing, no
sentido da florescência do Iluminismo, só vê aqui uma luta de aparências.
Em Goethe o duelo torna-se inteiramente interior.
Mefistófeles só possui poder contanto que o seu ser forme um momento do
desenvolvimento histórico da alma do próprio Fausto. E a grande realização
poética de Goethe consiste precisamente no fato de que apesar disso
Mefistófeles não se torna um mero elemento da interioridade de Fausto, mas uma
personagem de contornos marcados, independentes. Mas para isso é eliminado
conscientemente o além-humano diabólico em Mefistófeles. (Por este motivo não
se realiza todo o mágico aparente do mito em Fausto; no decorrer do trabalho o
afastamento foi conduzido cada vez mais energicamente; comparar-se-ia tal como
a cena “o porão de Auerbach” no Fausto primitivo e na apresentação posterior).
Goethe vai assim até mesmo tão longe que Mefistófeles anula e nega ironicamente
repetidas vezes a seu próprio ser como demônio (como, por exemplo, na cozinha
das bruxas) ou exprime com seriedade que o caminho de Fausto para a salvação ou
para a condenação só depende do próprio Fausto e de modo algum do demônio ou de
influências demoníacas. Assim ele fala no final do seu longo monólogo depois da
conversa com Fausto:
“E se ele
também não se tivesse rendido ao diabo,
Ele teria mesmo de perecer!”
Essa tendência para a anulação dos personagens do
além é apoiada eficazmente pelas profissões de fé de Fausto para com um mundo
exclusivamente deste lado. No longo diálogo do início Fausto diz a
Mefistófeles:
“O além pode me afligir pouco;
Só você arruinar este mundo,
O outro deve surgir depois.
Desta terra brotam minhas alegrias
E este sol brilha para meus sofrimentos;
Só quando eu puder me separar deles,
Então deve acontecer o que quer e pode.
Disto eu não quero continuar a ouvir nada...”
E ainda mais decisivo mais no final da segunda
parte:
“Para o além a vista nos está aferrada;
Tolo, aquele que dirige para lá os olhos
brilhantes,
Poeta-se sobre as nuvens de seus semelhantes!
Ele manter-se-ia firme e olharia aqui a sua volta;
Ao esforçado este mundo não é mudo.
Do que ele precisa para vaguear na eternidade!”
Tanto Fausto quanto Mefistófeles são assim no fundo
ateus. E se pode ver de novo o quanto Goethe melhorou da autenticidade
histórica do mito. Fausto poder destruir todo o além com tais palavras,
concentrar a ação radicalmente no mortal, e mesmo assim ele não perde o
colorido histórico. Pois tais pensamentos correspondem – apesar da coloração
especificamente goetheana – à era de um paracelso, Giordano Bruno ou Baco de
Verulam.
Mas com tudo isso o mito em Goethe é interiorizado
em uma luta pela conservação e evolução contínua da essência humana contra as
possibilidades demoníacas, satânicas no próprio ser humano.
No poema do Fausto goetheano o próprio Satã não
entra em cena. Mas talvez em fragmentos para a noite das bruxas mais tarde
eliminados. As estrofes poeticamente grandiosas em que Goethe dá voz a Satã,
mostram o seu ser como pura sede de ouro e pura sexualidade. A aspiração por
ambos estes “mais altos bens” é a sabedoria de Satã, portanto a pura e absoluta
conclusão daquilo que Mefistófeles caracteriza nas por nós já citadas palavras
como o uso da razão humana. Mefistófeles é um representante meramente
secundário deste princípio, mas justamente porque ele está mais abaixo que Satã
na hierarquia do submundo, ele é mais espiritualizado e brilhante que este. Ele
precisa elevar espiritualmente tão alto os princípios demoníacos, sublimá-los
para chegar com Fausto a um campo de ação comum, para alcançar os problemas
interiores de Fausto, ainda que muitas vezes só exteriormente. Ele deve assim
adelgaçar a “sabedoria” satânica em uma linguagem humana.
Só deste modo o princípio mefistofélico pode
tornar-se um momento comovente da própria interioridade de Fausto (de Goethe).
Por isso Goethe pode concordar com a crítica de Ampères que descobriu feições
goetheanas em Mefistófeles. Por isso muitas réplicas de Mefistófeles são
objetivamente corretas, expressam sim profundas convicções de Goethe. Goethe
pode, por exemplo, deixar Mefistófeles entrar em cena no “desfile de máscaras”
“Maskenzug” (1818) e deixar com que ele exprima uma de suas convicções mais íntimas:
“Eu expliquei para ele que a vida
Foi dada no fundo para viver
Enquanto se vive, se estaria vivo!”
Só a função precisa no estágio de desenvolvimento
dado, concreto decide sobre o fato, se um sentimento, um pensamento, uma ação é
humana ou demoníaca. Sim, só de vez em quando esta decisão não se deixa tomar
de modo algum do momento isolado, mas somente da direção do caminho que mais
tarde se torna visível, que aqui se revela.
Esta dialética é o fundamento da inabalável crença
de futuro de Goethe na humanidade: da luta entre o bem e o mal surge a direção
do desenvolvimento para avante; também o mal pode ser o veículo do progresso
objetivo. A famosa fala de Mefistófeles sobre si mesmo: “uma parte daquela
força, que sempre quer o mal e sempre cria o bem”, é só a expressão mais
precisa desta visão do mundo de Goethe. Certamente esta não é de maneira alguma
uma invenção original de Goethe. Ela foi expressa claramente em muitos
iluministas, especialmente naqueles que tiveram um interesse vivo pelos lados
específicos do desenvolvimento capitalista (Mandeville). Mas para o fundamento
da nova crença do avanço dialético após a Revolução Francesa esta concepção
tornou-se pela primeira vez em ”Fausto” e na filosofia da história de Hegel
como “a astúcia da razão”.
Assim surge uma luta com resultados permanentemente
indecisos, um perigo contínuo para Fausto: no pior podem estar ocultos germes
do bem, mas ao mesmo tempo pode encontrar-se no mais sublime sentimento algo de
satânico ou pode resultar daí algo satânico. Este balançar no fio da navalha
constitui o dramatismo intrínseco da poesia de Fausto. Mas como em toda
sabedoria dramática, trágica não surge deste permanente, arriscado hesitar
nenhum niilismo: Goethe suprime o relativismo moral-social poeticamente do
mesmo modo como o momento à dialética total, como Hegel o faz filosoficamente.
Não é por acaso que esta nova forma de dialética do
bem e do mal foi percebida primeiramente pelos sagazes observadores do
desenvolvimento capitalista. A nua sede de ouro de Satã é algo de amplo e
generalizado, algo que é válido para todas as sociedades de classes. Pela
primeira vez em Mefistófeles é representado o significado especificamente
capitalista do dinheiro como “prolongamento” do ser humano, como seu poder
sobre seres humanos e circunstâncias:
“Se eu posso pagar seis garanhões,
As suas forças não são as minhas?
Eu corro demais e sou um homem direito,
Como se eu tivesse vinte e quatro pernas”.
O jovem Marx reconheceu o significado desta posição
para a característica do capitalismo. Ele a analisa em seus “manuscritos
economicamente filosóficos” do seguinte modo: “aquilo que está para mim através
do dinheiro, o que eu posso pagar,
isto é, o que o dinheiro pode comprar, isto sou
eu, o próprio possuidor do dinheiro. Quão grande a força do dinheiro, tão
grande è a minha força. As qualidades do dinheiro são minhas – do seu possuidor
– qualidades e forças do ser. Isto que eu sou
e posso, não é portanto de nenhum
modo determinado pela minha individualidade. Eu sou feio, mas eu posso comprar para mim a mais bela mulher. Portanto eu não sou feio, pois o efeito da feiura,
a sua espantosa força é aniquilada através do dinheiro. Eu – conforme minha
individualidade – sou aleijado; mas o
dinheiro me proporciona 24 pés; portanto eu não sou aleijado; sou mau,
desonesto, inescrupuloso, fútil, mas o dinheiro é honrado, portanto também o
seu possuidor. O dinheiro é o maior bem, portanto o seu possuidor é bom, o
dinheiro me dispensa ademais do trabalho de ser desonesto; eu sou portanto
pressuposto como honrado; eu sou sem
graça, mas o dinheiro é a verdadeira
graça de todas as coisas, como poderia seu possuidor ser sem graça? Além
disso ele pode comprar para si as pessoas espirituosas e, quem tem o poder
sobre os espirituosos, este não é mais espirituoso que o espirituoso! Eu que
através do dinheiro tudo posso, pelo
que um coração humano ânsia, não possuo todas os bens humanos! O meu dinheiro
portanto não transforma todas as impotências em seu contrário?”
Considerem-se os efeitos mágicos de Mefistófeles
especialmente na primeira parte, então se tem diante de si, segundo a essência,
esse aumento mágico do raio da ação humana analisado por Marx através do
dinheiro. Na segunda parte Mefistófeles retrocede muito nas partes antigas,
como nós vimos. Em outras cenas da segunda parte concretiza se, contudo,
correspondente à transformação de todo o cenário ao do “grande mundo”, este seu
papel no tipicamente mundano. Como nós já vimos, Mefistófeles torna-se assim no
mundo feudal decadente o inventor do papel-moeda, absolutamente do símbolo do
domínio do dinheiro sobre estas relações, que através do introduzir-se do
dinheiro sem transformação das relações de produção, sem desenvolvimento das
forças produtivas são levadas a um acelerado entorpecimento e apodrecimento.
Finalmente Fausto obtém através desta magia de
Mefistófeles seu campo de atuação para a subjugação da natureza sob a prática
humana. No entanto aqui Mefistófeles se torna novamente um inseparável
companheiro de sua mais sublime aspiração. Através da ajuda de Mefistófeles
surge não somente o “intermundium” capitalista no feudalismo, mas também sua
expansão; sua prosperidade é devedora desta ajuda do diabo. Fausto manda
construir um porto e desenvolve um vivo comércio, cuja voz conducente de
Mefistófeles é desta maneira:
“O mar livre liberta o espírito...
Aí ajuda apenas uma rápida ação,
Pesca-se o peixe, pesca-se um navio,
E se é primeiro senhor a três,
Então se prende o quarto a si;
Ai vai mal pois ao quinto
Tem-se poder, então se tem direito.
Pergunta-se pelo o que e não pelo como.
Eu não precisaria conhecer nenhuma navegação:
Guerra, comércio e pirataria,
Elas são trinas, não para separar”.
Uma ajuda semelhante ele presta ao Fausto, quando a
este estorva para o arredondamento de seus bens a idílica pequena propriedade
de Philemon e Baucis. Fausto gostaria de indenizar e transpor para outro lugar
as pessoas pobres e velhas. Mas elas não consentem, e assim termina a
expropriação executada por Mefistófeles e seus ajudantes com fogo e homicídio.
Por toda parte aparecem aqueles cortejos na ajuda que Mefistófeles presta a
Fausto, e sem a qual a grande obra de Fausto seria irrealizável, aqueles que
caracterizam a chamada “acumulação primitiva” do capital e foram descritas
literária publicística primorosamente pelos importantes escritores ingleses do
século 18: mas só em Mefistófeles se concentram todos estes traços em uma
simbólica personagem poética.
Que em Mefistófeles os momentos diabolicamente
cínicos do capitalismo se coloquem desse modo em primeiro plano, não significa
então que ele fosse porventura o “representante” do capitalismo ou também só
das suas “partes ruins”; a base de certo modo capitalista da figura de
Mefistófeles deve aqui por isso ser energicamente salientada, porque na
literatura de Fausto – com exceção das observações de Marx por nós citadas –
falta, naturalmente, de todo a compreensão para este momento decisivo do seu
caráter. (Que críticos isolados romântico-reacionários, como W. Von Schütz, tocaram
esta questões, diz muito pouco, porque neles tudo se mostra desfiguradamente).
Mas o duelo entre Fausto e Mefistófeles espiritualmente moral criado por Goethe
ultrapassa necessariamente de longe esta base por nós esboçada, quando se pode
também reconduzir a ela a maior parte das suas aparições através de mediações
mais ou menos complicadas: este duelo estende-se a todas as questões
importantes da vida humana; ele mostra no influir dos elementos e tendências
mefistofélicos sobre a alma de Fausto um para lá e para cá movimentadamente
dramático, e só todo o decorrer da luta confere a resposta à aposta entre Deus
e o diabo, mostra o desfecho do destino de Fausto, rende a perspectiva
goetheana das esperanças no futuro da espécie humana.
Ouro e sexualidade: a isso se reduz a “sabedoria”
do Satã goetheano; seu objetivo, ao qual a magia, o cinismo de Mefistófeles
servem, é o embrutecimento da humanidade, o estabelecer de um “reino animal
espiritual” (Hegel).
Aqui a diferença para o mito é especialmente
evidente. Para a religiosidade da Idade Média – e a ortodoxia luterana conserva
a este respeito muitíssimo da Idade Média – a volúpia, a existência instintiva
do ser humano é pecaminosa; em conformidade com isso também a própria natureza
é um âmbito de domínio do diabo; o Satã é senhor deste mundo, “dos reinos do
mundo e das suas glórias”, e só enquanto o ser humano segue os mandamentos
ascéticos do além-cristão, ele pode dominar o diabo. Para o Iluminismo ao
contrário, para o Goethe brotado dele existe uma relação completamente
contrária à natureza, tanto para a natureza exterior, que forma o campo do
conhecimento e da atividade humanos, como para a própria essência dada
naturalmente do ser humano. Ambos são para Goethe o fundamento orgânico de cada
desenvolvimento e grandeza humanos. Por isso Goethe não só é hostil aos
claramente salientes vestígios da visão do mundo medieval, como também recusa
tudo mesmo em todos os seus antes progressistas contemporâneos, o que lembra só
de longe disso. Por isso é também completamente errado querer-se julgar ser o
significado do “Fausto” qualquer relação essencial entre Goethe e Kant, como o
fazem vários comentadores. Goethe recusa por um lado desde tenra juventude a
indistinção kantiana da natureza, da coisa em si (ele escreve, por exemplo, em
um poema-carta a Merck: “veja, assim é a natureza viva – incompreendida, porém
não incompreensível”); mas porventura ainda mais apaixonadamente recusa a
concepção kantiana do “mal radical” na natureza empírica do ser humano.
Aparentemente contradiz a este confronto a trágica
cena do gênio da terra por nós já analisada. Mas deve aqui ser salientado
novamente que o gênio da terra sobre si mesmo não afirma outra coisa senão
aquilo que cria o ponto central da filosofia da natureza de Goethe: a
ininterrupta transformação e autorenovação da natureza. Em que o gênio da terra
recusa o parentesco com Fausto? Qual conhecimento ele considera impossível? A
identificação imediatamente mística do ser humano e da natureza que o jovem Goethe
cria aqui e ao mesmo tempo domina como o caminho do conhecimento heroico,
tragicamente inútil.
Também esta dominação já é conhecida por nós. Sua
primeira etapa é a cena “floresta e caverna”, em que a forma juvenil da
imediação já está ultrapassada e o verdadeiro caminho para o conhecimento da
natureza está trilhado. Mas Fausto (e com ele Goethe) encontra-se ainda ,
segundo as próprias palavras de Goethe, em “estado de natureza filosófico”:
este conhecimento ainda não pode servir de norma para a vida de Fausto. Ele o
conduz ao contrário para outro trágico. (Nós veremos mais tarde que não por
acaso esta cena forma a peripécia da tragédia de Gretchen).
Também a próxima etapa e a cena de abertura da
segunda parte nós já encontramos em nossas reflexões. Goethe mostra aqui a
força moralmente curativa da natureza além do ser humano e além da moral. Mas
ele dá aqui ao mesmo tempo uma resposta mais clara e mais concreta ao dilema
trágico da cena do gênio da terra. O restabelecido Fausto contempla o nascer do
sol. Ofuscado por seus raios – como no seu tempo pela aparição do gênio da
terra - ele tem que se desviar. Aqui, entretanto, não surge mais nenhum
conflito trágico. Fausto não acha mais que ele está excluído do conhecimento e
do prazer da natureza. Ele permanece em frente - “o sol às minhas costas” – em
atitude da natureza que se reconhece alegremente: no reflexo colorido nós temos
a vida”. Aqui está o recente nascimento da filosofia da natureza em estreita
ligação com o surgimento da nova doutrina da beleza poeticamente criada: aquele
período no desenvolvimento do conhecimento da natureza que o jovem Marx chamou
de “o leal pensamento da juventude” de Schelling. E o todo forma do mesmo modo
o prólogo filosófico para a tragédia de Helena, como ”floresta e caverna” foi a
peripécia da tragédia de Gretchen.
Ambas as cenas agora mesmo mencionadas, por
importantes que elas são para toda composição, são pontos que resumem calma,
mudança, reflexão e a rigor não dramáticas. Ambas são montadas em monólogos; em
ambas Mefistófeles não está presente. (Em “floresta e caverna” ele aparece mais
tarde, de modo algum na última cena citada). Só no início do “Fausto” a relação
que se reconhece à natureza é o centro do trágico; só no fim encontram-se o
conhecimento da natureza e a prática social e formam o fundamento para o último
debate decisivo entre Fausto e Mefistófeles.
O conhecimento correto da relação goetheana com a
natureza não é só muito importante para a construção da visão do mundo de
“Fausto”; ela é indispensável para o entender da relação entre Fausto e
Mefistófeles. É que há toda uma escola de comentadores de Fausto – iniciada por
Kuno Fischer – que concebem Mefistófeles como emissário o gênio da terra. Não
levando em conta a insignificância prática desta hipótese (ela torna o prólogo
no céu sem sentido e mostra quando muito que Goethe trabalhou tão
negligentemente, que ele deixou os restos de uma concepção ultrapassada
inalterados na obra reformada), ela inverte toda a concepção goetheana da
natureza em cristão-medieval: pois neste caso o gênio da terra não é nenhum
princípio da natureza, mas um princípio do diabólico. Isto é um renascimento
das tendências luterano-ortodoxas no mito de Fausto transmitido e não tem nada
a ver com Goethe.
A concepção da natureza goetheana tem por
pensamento central a independência da natureza do ser humano, dos seus morais e
outros pontos de vista. Na verdade pelo fato de que a natureza assim entendida
na cena inicial da segunda parte se declara convalescente, não segue de maneira
nenhuma uma concepção idílica da natureza de Goethe. A conclusão de toda a
tragédia é antes uma fortíssima e bem variável luta do ser humano com as forças
da natureza. E quando Mefistófeles coloca como perspectiva no fim a destruição
de toda a obra da vida de Fausto através das forças da natureza, assim ele
expressa com isso – sarcasticamente exagerado, mas, no entanto, corretamente –
um lado da natureza e da concepção de Goethe sobre ela. O próprio Goethe fala
disso, que sua poesia épico-dramática formou um momento artisticamente
estimulante para a retomada do trabalho em “Fausto”. Só se precisa de pensar em
baladas como “Erlkönig” (o “Rei dos Elfos”) para se conhecer o quanto Goethe
também via o lado da natureza não idílico, o sinistramente belo, o sedutora e
ameaçadoramente destruidor e criou poética adequadamente.
Certamente estas baladas de Goethe representam não
somente a natureza em si, mas também o efeito recíproco interior e exterior
entre ela e o ser humano. Nisso a luta pelo dominar da natureza sempre é importante
para Goethe; essencialmente são sempre aqueles conflitos trágicos e
tragicômicos, que surgem do desencadeamento de forças, que são automáticas,
destruidoras e eficazes, quando o seu mistério mais interior, sua legitimidade
do ser humano não é reconhecida (Zauberlehrling)(Aprendiz de Feiticeiro).
Também aqui a ordem de ideias fundamentais de
Goethe marcha paralelamente com a de Hegel: no agir humano surge objetivamente
sempre de novo algo diferente que os seres humanos quiseram em sua paixão; o
movimento, o desenvolvimento da sociedade humana parte das paixões dos
indivíduos, no entanto os seus resultados excedem para além dos indivíduos e
tornam os seres humanos que agem dependentes das consequências de seus próprios
atos. Esta concepção passa por toda a construção de “Fausto” e é também um
motivo pelo qual Goethe teve de ultrapassar racional e criativamente a moral
meramente individual. Mefistófeles diz:
“No fim nós sempre dependemos Das criaturas que
criamos”.
Na rede de tais determinações vive o ser humano
segundo a concepção de Goethe; ele é ao mesmo tempo propriamente um pedaço da
natureza, um microcosmo, no qual as forças iguais da natureza são eficazes,
como no macrocosmo. As paixões humanas Goethe considera um tipo das forças
naturais que – visto diretamente – surgem de origens desconhecidas, inflamam-se
numa ocasião (acidentalmente aparente) e libertadas arremessam-se a um fim
incalculável.
Mas a paixão é para Goethe é só instintiva, não
simplesmente idêntica à natureza. As paixões abrangem sim toda a vida cultural,
referem-se aos seus objetivos mais altos; um avanço da cultura, mas ao mesmo
tempo também o seu risco, a sua destruição, a sua transformação em caos e
barbárie é impossível sem a paixão. O domínio da paixão, a sua refinação, a sua
condução aos realmente grandes objetivos da espécie humana: esta é a ética de
Goethe! Goethe jamais é amoral, como o julgaram os kantianos atrasados; muitos
menos anti social, como o pretenderam os burgueses radicais. A sua moral busca
o caminho no qual cada paixão poderia
gozar bem a vida e desenvolver-se no interesse da espécie. Sob o dominar das
paixões ele não entende a sua supressão mesquinhamente ascética como Kant, mas
ele – como os grandes seres humanos da Renascença, como também Fourier - tem
uma vaga ideia do estado dos seres humanos e das relações humanas, no qual a
ação recíproca dos seres humanos entre si, a experiência das paixões na
atividade humana conduziria os seres humanos à verdadeira consciência de si
mesmos, isto é, a um completo desdobramento de todas as suas capacidades, a um
equilíbrio harmonioso das paixões que gozam bem a vida e de tal modo, na
verdade, que a harmonia interior do ser humano seria a força motriz de sua
unissonância com seus próximos.
Goethe não tem dúvida sobre o inevitavelmente
conflituoso, pois trágico caráter desses esforços em sua época. Mas o
conhecimento do trágico não significa para ele nenhuma renúncia a estes
esforços. Em parte ele esboça quadros utópicos das relações humanas, condições
sociais, nos quais para ele tais tendências parecem realizáveis (ambos “Wilhelm
Meister” devem de modo diverso responder a esta questão), em parte ele cria
caminhos individuais, nos quais é realizado um máximo (relativo), uma
incolumidade (relativa) destas possibilidades de desenvolvimento. “Fausto” é
uma síntese poética de ambas as tendências.
Só daqui para frente é examinado compreensivelmente
o duelo Fausto-Mefistófeles. O “prólogo no céu” formula o problema do bem e do
mal (Deus-diabo) objetivamente para todo gênero humano; o destino de Fausto
aparece aqui só como um exemplo. Sobre esta aposta há na literatura de Fausto
relativamente pouca discussão, tanto mais sobre a sua realização subjetivamente
moral. Sempre surge a questão entre os comentadores: se Mefistófeles pois realmente
não tivesse ganhado a aposta com Fausto, se as últimas palavras de Fausto
(“Fique pois, você é tão belo!”) não significam pois um cumprimento das
condições.
Em realidade o encontro de Fausto e Mefistófeles é
também na aposta meramente um encontro no campo de batalha, um cruzar das
armas; embora eles se prestem à aposta, eles a entendem pelas mesmas palavras
de modo totalmente contrário. Mefistófeles oferece a Fausto as alegrias da
vida, o prazer completo da vida, o que não somente contrasta positivamente com
a até então existência de Fausto, mas – visto abstratamente – corresponde ao
anseio de Fausto. Mas somente visto abstratamente. Concretamente Fausto tem uma
ideia algo bem diferente: não o prazer da vida (isto é apenas um meio e um
caminho), mas a realização, o desenvolvimento de todas as suas possibilidades
individuais, a sua prova no mundo, o triunfar, o conhecer e o subjugar da
realidade. O Fausto decepcionado tanto pelo conhecimento abstrato como pelo
imediato conhecimento instrutivo, levado ao desespero, está apaixonada anti-
asceticamente de acordo. Mas também agora, embora ele ainda não tenha toda uma
clareza sobre as suas tendências mais interiores, ele despreza o mero
hedonismo, o prazer da vida por causa do prazer sensual, a vida no sentido de
Mefistófeles.
O modo como Goethe entende a vida e o prazer da
vida foi muitas vezes mal interpretado, embora ele sobre isso se expressasse
sempre da forma mais inequívoca. Eu cito só um exemplo, a passagem de uma carta
escrita a Lavater nos primeiros anos de Weimar:
“... Assim eu tenho coapreciado então bastante
afetuosamente um pedacinho da amostra do movimento multicolorido do mundo.
Desgosto, esperança, amor, trabalho, necessidade, aventura, tédio, ódio,
tolices, insensatez, alegria, previsto e inequívoco, banal e profundo, como os
dados caem...”
Esta concepção goetheana da vida, do prazer da
vida, soa nas palavras de Fausto, que introduzem a aposta com Mefistófeles:
“Se eu nunca me deitarei tranquilo num divã,
Assim seria feito igualmente à minha volta!
Você nunca pode me enganar lisonjeando,
Que eu gosto de agradar a mim mesmo,
Se você pode me enganar com prazer:
Isso seria para mim o último dia!
A aposta eu ofereço!
O “fique porém” é pensado como a realização deste anseio. Ela não é, todavia, realizável
segundo a concepção de Goethe da realidade, da sua realidade. E ela também não
é realizada na poesia. As últimas palavras de Fausto são uma imaginação, uma
visão do futuro. Com relação a esta, e somente a esta, não ao presente do momento vivenciado, ele diz:
“Para o momento eu poderia dizer:
Fique, pois! Você é tão belo...
No pressentimento de tal sublime felicidade
Eu gozo agora o mais elevado momento”.
Goethe acentua aqui como nos versos imediatamente
precedentes também linguisticamente a inatualidade, o optativo da realização.
(Ele diz: “gostaria”, “poderia”, “no pressentimento”). E isto é ainda ilustrado
e sublinhado através da réplica de Mefistófeles. Para ele o entusiasmo de
Fausto é completamente incompreensível. Ele não vê aqui de modo algum nenhuma
realização, nenhum prazer da vida; ele considera o entusiasmo do Fausto idoso
como um estado de perturbação da velhice:
“O último, mau, vazio momento,
O pobre o deseja segurar.
O que me resistiu tão fortemente,
O tempo torna-se senhor, o velho aqui está deitado
na areia
O relógio está parado – “
Aqui está bem claro o decurso da luta entre ambos:
Fausto nunca “engoliu poeira”, como Mefistófeles pretendia com ele; a
realização que ele em uma visão, não na realidade, vê diante de si não tinha
nada a ver com aquele prazer da vida, que Mefistófeles julga, e nunca teve algo
a ver com isso. Na questão, sobre o que significa o prazer da vida, Fausto e
Mefistófeles sempre falaram sem se entender.
Apesar disso o duelo deles não é nenhum jogo de
aparências. Pois os momentos mefistofélicos também estão contidos nos mais
sublimes momentos de Fausto; o escárnio cínico de Mefistófeles atinge
geralmente o centro das lutas psíquicas de Fausto; não está de forma alguma
sempre decidido se Mefistófeles em caso isolado tinha ou não razão, se ele pois
afinal será vencido na luta.
No entanto surge em diferentes situações uma
diferente proximidade e distância, uma armazenagem diferente de pesos
específicos. E o ritmo do estar ameaçado de Fausto por Mefistófeles não cria de
modo algum uma linha simplesmente descendente, menos ainda este ritmo é o
mesmo, como o das respectivas esferas da ação superiores ou inferiores,
privadas ou públicas. Na “cozinha das bruxas”, no “porão de Auerbach” como na
“noite das bruxas” (que representa segundo o seu conteúdo ideal só uma
potenciação fantástica de ambas as primeiras cenas) Mefistófeles é o condutor,
Fausto pelo contrário é às vezes um espectador interessado, às vezes
aborrecido. Do mesmo modo – excluída a representação de Helena – Fausto passa
mais pelas cenas da corte, como se ele se participasse delas
contemplativamente; Mefistófeles é também aqui a personagem central ativa.
Todos os instintos vulgares do prazer do sentido que aqui se levantam (devorar,
embriagar-se, fornicar) todas as ambições mesquinhas da carreira (em sua forma
histórica como magia, charlatanice) nunca tocam decisivamente o centro da
existência de Fausto. Por outro lado, como vimos, o papel de Mefistófeles no
renascimento do antigo está reduzido ao de um coro. Nisso deve ser aqui
salientado para o entendimento da concepção goetheana de prazer da vida e
sensualidade que Goethe cria o amor de Fausto por Helena numa sensualidade no
antigo modo ingênuo, sendo abertamente evidente, que nada dissimula, o que
provocou a indignação moral de por exemplo E. Th. Vischer. A oposição entre
Fausto e Mefistófeles não é de modo algum a oposição do ascetismo e da
sensualidade, mas a dialética concreta e real do humano e do diabólico do
prazer da vida sensorial.
O duelo Fausto-Mefistófeles tem em conformidade com
isso – não contando com estes intermédios justamente em sua negatividade
estético-moral sumamente importantes – três pontos altos: a aposta, sobre a
qual acabamos de falar, a tragédia de Gretchen e a etapa da atividade prática
de Fausto.
Na tragédia de Gretchen culminam todos os problemas
do “pequeno mundo”, o desenvolvimento da personalidade como tal; a sociedade e
a história figuram só como segundo plano, como ambiente. O significado desta
tragédia, tanto mais quanto é certo que a conclusão de toda a obra só pode ser
entendida dela, é tão grande que nós devemos tratá-lo separadamente. Aqui nós
só podemos dedicar algumas considerações à parte voltada para Mefistófeles.
Nós dissemos: Fausto passa pelo porão de Auerbach
como um espectador aborrecido, a pura sensualidade que lá sem reservas se
evidencia teria pouco a ver com o seu anseio pela vida. Apesar disso – e isto é
um traço “fenomenológico” muito profundo - começa o amor de Fausto por Gretchen
não desde o princípio como aquela relação humana sublime e decisiva, que ela se
torna no decorrer da ação. Fausto percorre antes todas as etapas essenciais do
amor individual da mais ordinária sensualidade com suas consequências
cinicamente desumanas até a paixão genuína e trágica, psico sensual. (Também
aqui é representada no desenvolvimento da paixão amorosa de Fausto a história
do desenvolvimento do amor no gênero humano abreviadamente: isto diferencia a
tragédia de Gretchen das outras configurações do amorno jovem Goethe). E aí –
sobre o que mais tarde é falado pormenorizadamente –para o amor na sociedade de
classes (especialmente quando, como aqui, é tão diferente a situação social e a
instrução dos que se amam é tão diferente) os momentos de Mefistófeles são
quase inextinguíveis, a intensidade a luta entre Fausto e Mefistófeles cresce
justamente com a intensificação e desenvolvimento maior do amor. Por isso nós
chamamos anteriormente a cena “floresta e caverna” de a peripécia para o amor
de Fausto por Gretchen. Fausto foge deste amor no isolamento. O entusiasmo pelo
amor e a contemplação da natureza dão a ele aquela elevação mental-psíquica, na
qual ele vence interiormente a tragédia do gênio da terra. Ao mesmo tempo está
a arder em chamas o seu verdadeiro e sublime amor por Gretchen. Ele foge de
Gretchen para poupá-la e para salvá-la, ao mesmo tempo, entretanto, ele arde em
ansiedade por ela. E se agora Mefistófeles aqui desmascara toda a prosperidade
cinicamente como ilusão, se ele vê somente o resultado nuamente sensual da]o
anseio de Fausto, assim ele encontra, se também não o centro mais interior,
assim pois pelo menos uma questão central do conflito interior em Fausto.
“Mefistófeles:
Bem desaparecido o mortal,
E então a alta intuição -
(Com um gesto)
Eu não posso dizer, como - para concluir.
Fausto:
Que vergonha sobre você!
Mefistófeles:
Isto não quer lhes agradar;
Vocês têm o direito, de dizer civilizadamente que
vergonha.
Não se pode citar isso diante de ouvidos castos,
Do que os corações castos não podem carecer”.
O direito relativo de Mefistófeles aqui está claro.
Muito semelhante na comovente cena em prosa “dia sombrio”, onde suas palavras
“Ela não é a primeira” e “Quem foi este que a arruinou? Eu ou você?” realmente
iluminaram o centro do conflito moral em Fausto, onde o Fausto dilacerado pelo
remorso não pode encontrar nenhuma palavra de resposta, pois Mefistófeles está
perante ele inteiramente razão.
A amplitude e profundidade da criação goetheana
desta tragédia de amor mostra-se no fato de que através dela são tratados,
direta ou indiretamente, todos os problemas da vida moral, e de que
Mefistófeles pode fazer valer o seu cinismo quase em toda parte com grande
autoridade perante os escrúpulos e o patetismo de Fausto. Nós citamos só um
exemplo. Mefistófeles precisa de Fausto para a sedução de Gretchen um falso
atestado sobre a morte do marido de Marthe Schwerdtlein. Fausto se recusa
primeiramente em dar um falso atestado. Sobre o que Mefistófeles de modo
interessante e profundo argumenta não com necessidade prática par a realização
do plano, mas levanta para Fausto um problema bem mais central:
“Oh, homem sagrado! Então este agora seria você!
É a primeira vez em sua vida,
Que você dá um atestado falso?
Você deu de Deus, que o mundo e o que se movimenta
nele,
Do ser humano, o que se lhe faz sentir na cabeça e
no coração,
Definições não com grande força?
Com insolente descaramento, audaz coração?
E você quer ir justamente ao interno,
Bem feito, você o deveria justamente confessar,
Tanto quanto soube da morte do senhor
Schwerdtlein!”
Assim toda a tragédia de amor de Mefistófeles é
contornada no mais amplo sentido da palavra. Ele pode na verdade não penetrar
na mais íntima essência do amor – ele próprio confessa que ele não pode exercer
sobre Gretchen diretamente nenhuma influência, - mas o todo é, pois, conseguido
em toda parte pelos seus efeitos e elementos diabólicos. O seu terrível “para
junto de mim” no fim da primeira parte que foi compreendido por alguns como uma
plena vitória sobre Fausto, segue estético-moral, necessariamente de uma tal
situação total.
Bem diferentemente, por fora mais monológico,
internamente talvez ainda mais dramático e trágico, desenrolam-se as cenas
finais da segunda parte. Elas são formadas predominantemente de forma
monológica, pois na luta interior decisiva contra Mefistófeles, na disputa mais
trágica de Fausto com ele, Mefistófeles não participa diretamente em pessoa.
Fausto, como vimos, voltou-se para a prática, para o domínio da natureza. Ele
até mesmo dominou o gozar estético do mundo, levou-o consigo sem dúvida como o
momento imperdivelmente conservado. Mas a prática, a verdadeira, a unicamente
possível saída do gênero humano do caos diabólico-mágico da Idade Média, está
ainda mais violentamente ameaçada pelo espírito de Mefistófeles que o amor
individual. Pensar-se-ia na sua já analisada profundamente interiorizada
relação com o capitalismo.
A culpa de Fausto – por exemplo, no extermínio de
Philemon e Baucis – não é aqui, como na tragédia de Gretchen, individual.
Interpretá-la assim é a superficialidade da maioria dos comentadores. Fausto na
verdade amaldiçoa Mefistófeles depois da morte de Philemon e Baucis, mas as
lutas interiores seguintes não têm nada mais a ver com um arrependimento
individual moral como ao tempo das tentativas de salvação de Gretchen: elas vão
mais fundo, elas dirigem-se ao contexto
total, ao fundamento
social-humano de todo o seu modo de ação, de toda a sua situação, da qual
necessariamente se originou o extermínio de Philemon e Baucis. As suas
considerações pó isso também não entram absolutamente mais no caso isolado que
se resgata.
O que se apresenta aqui a Fausto personificadamente
é a preocupação. Esta é segundo o seu conteúdo espiritual uma emissária de
Mefistófeles: o sentido e o conteúdo do seu aparecimento é a inutilidade de
todos os esforços humanos ao melhor, só que nela esta tendência não se expressa
sarcástica-cinicamente como em Mefistófeles, mas em forma aberta,
desconsoladamente pessimista. Ela incorpora o desespero interior sobre a não
exequibilidade dos esforços humanos, sobre a inteligência naqueles - falado
hegelianamente – “má infinidade”, cuja incompletude em princípio:
“Quem eu possuo uma vez para mim,
A este o mundo todo não prestaria para nada;
Eterno sombrio sobe junto dele
O sol nem nasce nem se põe...
Ele morre de fome na abundância;
Seja prazer, seja tormento,
Ele o empurra para o outro dia,
Conta só com o futuro,
E assim ele jamais acaba”.
Fausto indica também esta tentação, a mudada em
franco desconsolo, cínica “sabedoria” de Mefistófeles determinada por si, na
verdade não sem sentir que também aqui uma caricatura diabólica
ininterruptamente justa foi expressa dos seus esforços mais profundos.
“Vá-se! A má ladainha,
Ela poderia seduzir mesmo o homem mais
inteligente”.
Pois ele tem a consciência de ter pronunciado
imediatamente antes como conteúdo espiritual mais profundo:
“No continuar a caminhar ele encontra sofrimento e felicidade,
Ele, insatisfeito todo momento!”
A preocupação não tem assim nenhum poder anímico ou
moral sobre Fausto. Ela pode cegá-lo só fisicamente, mas não, como a maioria
dos outros seres humanos, espiritualmente.
Esta Luta vitoriosamente revestida entrelaça-se bem
intimamente com outra, na qual Fausto prevalece só puramente subjetivo, só
segundo a tendência, só segundo o esforço. Depois do episódio Philemon-Baucis,
antes do aparecimento da inquietação, depois que ele já percebeu
desconfiadamente vozes fantásticas, entre elas as da inquietação diante da sua
porta, Fausto quer traçar um resumo de sua vida e organizar um novo programa:
“Eu ainda não me debati em campo de batalha.
Se eu pudesse afastar a magia da minha senda,
Desaprender as fórmulas mágicas completamente,
Eu permaneceria, natureza, diante de você um homem
sozinho,
Nesse caso valeria o esforço de ser um ser humano.
-
Isso eu era outrora, antes que eu busquei nas
sombras,
Com palavras profanas amaldiçoei-me e o mundo.
Agora o ar está tão cheio de tal rumor,
Que ninguém sabe, como ele deve evitá-lo”.
Esta é a primeira
vez em que Fausto expressamente vem a falar do pacto com Mefistófeles, que
ele está decidido a renegar a magia mefistofélica.
Subjetivamente, com relação a seus problemas morais
interiores, sai-se bem na cena com a inquietação; ele subjuga o desejo de
afastá-la com ajuda das fórmulas mágicas, mas ele tem poucas ilusões sobre a
possibilidade de sua libertação da magia: “dos demônios, eu sei, dificilmente
se livra”. E quando ele rejeita a tentativa da inquietação, dedica-se com toda
energia à sua grande obra, que ele ainda quer acabar impreterivelmente antes de
sua morte, ele sem refletir, requer também daqui em diante a ajuda de
Mefistófeles e seus espíritos.
O que é então esta magia, da qual Fausto quer
desistir tocando os limites da sua perfectibilidade e só o consegue na mais
insignificante parte? O moderno culto ao gênio superficial vê exatamente na
magia “a sobre-humanidade” de Fausto. Segundo Hermann Türk Fausto é um simples
burguês após a desistência da magia. Isto é Schopenhauer e não Goethe; para
aquele o gênio era um “monstrum per excessum” , para Goethe justamente o ser
humano normal completamente desenvolvido. Na realidade e também segundo a
concepção de Goethe, Fausto nunca é mais sublime que nas cenas em que ele
procura se desvencilhar da magia.
O que então significa magia nunca é - poético
corretamente - definido em Fausto. O próprio Fausto a concebe, como nós vimos
agora mesmo, como consequência do seu pacto com Mefistófeles, portanto como uma
soma e um princípio daquelas forças, através das quais ele realizou todos os
seus trabalhos em sua força específica. Aqui se torna decisivamente importante,
porque nós estamos no auge e no termo extremo da poesia - na produtiva atividade
técnico econômica para o domínio das forças da natureza - o componente
capitalista já comprovado em Mefistófeles. Nós repetimos: Mefistófeles não é
somente isto. Ele é em um modo genialmente inseparável disto ao mesmo tempo um
fantasma medieval. E a genialidade da generalização poética está justamente na
amplitude e nos limites da sua área de domínio. Ele domina todos os poderes
sociais, também os transformados nestas forças naturais e paixões humanas, nos
quais reinam tendências ou pelo menos possibilidades para o reino animal
espiritual.
Assim Mefistófeles é impotente perante Gretchen.
Ele diz : ”Sobre esta eu não tenho nenhum poder”. Somente através de presentes,
através do ato de despertar a curiosidade, o amor-próprio, a vaidade, através
da alcovitice de Marthe, através da instigação de todos os maus instintos
dormentes ele pode entrar furtivamente em sua proximidade. Seu poder consiste
no fato de que ele ajuda a transformar toda má possibilidade existente, cada
tendência ocultamente dormente para o mal sem mais nada em efetiva realidade;
sua magia consiste no domínio ilimitado dos meios exteriores úteis para isso,
através dos quais todas as oposições não interiormente anímicas são dominadas
com grande facilidade.
Mas Goethe acentua sempre que as criações mágicas
de Mefistófeles em nada se diferem dos seres humanos segundo o seu verdadeiro
ser moral. Assim são os “trapaceiros alegóricos” Raufebold, Habebald e
Haltefest, com cuja mágica ajuda Mefistófeles alcança a vitória sobre o
imperador oponente e conduz seus bandos de piratas como o extermínio de
Philemon e Baucis, em sua psicologia nada diferente que o servos incultos do
campo, e estes se diferenciam dos “soldados leais ”daquela época mais em
palavras do que na essência. (“A lealdade, está já se conhece; ela significa:
contribuição”). Somente o aumento do poder exterior, do raio de ação individual
deixa–a aparecer magicamente, e nós chegamos a saber suficientemente da
interpretação marxista dos seis cavalos de Mefistófeles, o que se deve considerar
socialmente desta magia.
Assim se Fausto quer se libertar da magia, ele
aspira à vida humana normal, enquanto ele só através da própria força, através
da própria atividade poderia realizar praticamente o agora reconhecido certo.
Mas isto é impossível – disso sabe Goethe e Fausto suspeita. Fausto deveria
voltar sem a ajuda de Mefistófeles à impotência desesperada do gabinete de
estudos do começo; se esta volta se exprime agora por ventura como a aceitação
de uma colocação de engenheiro subalterno em uma empresa capitalista, não
significa nada para o problema.
Em sua forma suave e prudente Goethe salientou este
momento tanto no começo como no fim. No primeiro longo monólogo de Fausto, no
qual ele enumera todos os seus conflitos de visão do mundo, ele diz entre
outras coisas:
“Também eu não tenho nem bem, nem dinheiro
Ainda honra e magnificência do mundo;
Nenhum cão desejaria viver assim mais longamente
Por isso eu me entreguei à magia”.
E antes da cena da “inquietação” esta não aparece
sozinha, mas ela é somente uma das quatro mulheres pessimistas; entretanto três
delas – “carência”, “culpa” e “necessidade” – não podem ultrapassar o limite de
Fausto. “Por dentro mora um rico...” Assim só porque Fausto – com base em
Mefistófeles – está rico e poderoso, ele precisa se ocupar apenas com a
inquietação, com o pessimismo da visão do mundo, mas não com a carência ou a
necessidade. Mais claramente isto é manifesto em um fragmento mais tarde
omitido. Nele, como já mencionado, Fausto quer se separar definitivamente de Mefistófeles.
Mas este não toma a coisa de modo algum tragicamente:
“Pois conselho cada um pensa ter suficientemente
consigo;
Dinheiro ele sente mais depressa, quando ele lhe
falta”.
Goethe esteve sempre consciente sobre esta posição
do indivíduo na sociedade de classes, especialmente no capitalismo. Isto se
deixou provar dos incontáveis trechos das suas obras, cartas e colóquios. Nós
apresentamos somente um exemplo muito característico. O Goethe idoso teve com
Soret uma conversa minuciosa sobre “o louco radical” Bentham. Soret defendeu
este e achou que se ele vivesse na Inglaterra, o próprio Goethe se apresentaria
igualmente como desmascarador de abusos. “Pelo que você me toma? respondeu
Goethe, que então adotou completamente a cara e o tom de seu Mefistófeles. “Eu
deveria ter investigado os abusos e ainda, além disso, tê-los descoberto e
citado pelo nome, eu, que eu teria vivido na Inglaterra dos abusos? Nascido na
Inglaterra, eu teria sido um duque rico ou antes um bispo com receitas anuais
de 30.000 libras esterlinas.”
Justamente a prática, com a qual Fausto concluiu e
na qual se realiza o seu anseio de visão do mundo pela a associação da teoria e
prática, pelos progressos práticos para o gênero humano, é objetivamente
impossível sem a ajuda enérgica de Mefistófeles: um desenvolvimento das forças
produtivas na sociedade burguesa só é mesmo possível capitalisticamente. Por
isso a tentativa de Fausto de se afastar interiormente da magia é inútil. Por
isso o seu sonho com o futuro luminoso da humanidade é somente um sonho.
Mas o conteúdo
do sonho é muito importante. Fausto, como Goethe, é inimigo de toda revolução.
Aqui, entretanto, onde ele - pelo menos subjetivamente - rompe com a magia
mefistofélica, pela primeira vez em seu esforço pelos seus objetivos mais altos
do gênero humano, que ele concretizou até agora só em si, só em seu próprio
desenvolvimento da personalidade (na verdade para o gênero humano), o desejo
consciente se expressa: lutar junto com os seus semelhantes com base na liberdade para estes fins. Por isso o
seu último monólogo, que conclui com “cumprimento” da aposta, é tão
decisivamente importante – como suprema, mais decisiva forma da rejeição
subjetiva do princípio diabólico:
“Eu abro espaços para muitos milhões,
Incerto na verdade, porém de morar
efetivamente-livre.
Aí correria no campo a maré cheia até a margem,
E como ela lambisca, para demolir violentamente,
O ímpeto comum se apressa, para fechar a lacuna.
Sim! A este sentido eu estou bastante dedicado,
Isto é da sabedoria o último fim:
Só este merece para si a liberdade como a vida,
Aquele que deve diariamente conquistá-la.
E assim passa, rodeado pelo perigo,
Aqui criança, adulto e idoso o seu ano a valer.
Tal torvelinho eu desejaria ver,
Ficar em solo livre com povo livre”.
Nós já sabemos que a realidade está em um forte
contraste com este sonho: enquanto Fausto assim fala, os elfos cavam sob a
ordem de Mefistófeles a sua sepultura. Esta oposição nada amenizada ou
(visivelmente) intermediada corresponde exatamente àquela bilateralidade
espiritual na apreciação do progresso capitalista que nós pudemos
reiteradamente constatar em Goethe. Goethe realiza, sem poder descobrir a vida
econômico-social do capitalismo, com a intuição poética dele o papel
contraditório no desenvolvimento da humanidade. O horrível ritmo da destruição,
que acompanha e comenta o sonho de futuro de Fausto, expressa adequadamente a
opinião de Goethe exatamente na irresolução, e insolubilidade desta
dissonância.
De mais a mais é importante enfatizar: nunca se
trata em Goethe de uma tristeza romântica sobre a destruição do idílio
pré-capitalista. (Por isso: no próprio Fausto nenhum arrependimento pela culpa
na ruína de Philemon e Baucis). Goethe está para os problemas do
desenvolvimento capitalista assim como Hegel ou Ricardo. O que intermédia
idealmente as oposições, que poeticamente estão em aparente contraste umas às
outras, é: a inseparabilidade objetiva do princípio mefistofélico do desenvolvimento
capitalista das forças produtivas, da prática humana objetivamente de maior
importância e indo em direção adequada, daquele caminho – isso Goethe, como
também Ricardo e Hegel, não pode nem sequer pressentir – que leva mais tarde a
que neste solo surjam forças que libertam a humanidade realmente de
Mefistófeles. Mas enquanto Fausto tem de colocar a realização da sua obra da
vida nas mãos de Mefistófeles, ele também coloca a possibilidade da circulação
demoníaca, pois – para a obra da vida individual, não para a da humanidade –
também a possibilidade da sua destruição nas mãos do diabo.
Essas complicadas contradições são do ponto de
vista de Goethe, do mais alto ponto de vista da consciência burguesa,
objetivamente insolúveis. A grandeza poética de Goethe consiste nisso: tê-las
apresentado em sua irresolução em nada atenuada. Nisso ele é verdadeiro como
Ricardo e Hegel.
Às acentuadas dissonâncias da realidade objetiva
pode ser confrontado nele só o sonho subjetivo do futuro. Mas também isso não é
pouco. Especialmente, porque a contradição é intensificada também do interior:
o ficar incólume da essência humana em Fausto na luta com Mefistófeles, pois o
tornar-se mais transparente e mais puro dessa essência justamente em uma
situação em que se revela completamente a invencibilidade exterior de
Mefistófeles, dá também objetivamente uma perspectiva, um fundamento real para
a crença de que a humanidade – apesar de Mefistófeles, apesar do capitalismo –
não está condenada à ruína ao diabólico, ao “devorar o pó”.
Mas isto era para Goethe a única
“fenomenologicamente” fundamentável e por isso criativamente convincente
esperança que como perspectiva de futuro podia ser esteticamente atestada. Por
isso ele com todo o direito – sem decair na subjetivista morigeração kantiana –
vê no momento subjetivo o ponto decisivo para a salvação de Fausto. Em uma
conversa com Eckermann ele qualifica as conhecidas linhas do final como a chave
para a compreensão do todo:
“Quem se esforça sempre ambicionando, Este nós
podemos salvar”.
Um poder objetivo social, contra o qual
Mefistófeles teria podido lutar eficazmente na conhecida terra de Goethe, ele
não pode ver e por isso também não quis criar.