Nosso Goethe

Discurso solene proferido em 31 de agosto de 1949 em Berlim na “Associação Cultural para a Renovação Democrática da Alemanha”

 Duzentos anos passaram desde o nascimento de Goethe, mais que um século desde a sua morte. A longa vida de Goethe abrange várias etapas do desenvolvimento da humanidade interrompidas por grandes transformações revolucionárias. Ele mesmo está completamente consciente da significação desta época de transformação para a sua vida e criação. Ele diz como idoso para Eckermann: “Eu tenho a grande vantagem de ter nascido numa época, em que os maiores acontecimentos do mundo vinham à ordem do dia e prosseguiam por minha longa vida, de modo que fui testemunha ocular da Guerra dos Sete Anos, em seguida da separação da América da Inglaterra, além disso, da Revolução Francesa e finalmente de toda a época napoleônica até a queda do herói e dos acontecimentos seguintes. Por este meio cheguei a resultados e conclusões bem diferentes do que será possível para todos aqueles que agora nascem e devem assimilar aqueles grandes acontecimentos através dos livros que eles não entendem”. Após essas explicações Goethe vivencia ainda a Revolução de Julho e com ela o começo do colapso do Período da Restauração.

 Ainda maiores transformações o século trouxe depois da sua morte. A preparação imediata da Revolução de 48 e esta mesma encerraram o período ao qual Goethe pertenceu. Tanto no sentido mais restrito do “período artístico”, para usar a expressão de Heine, como no sentido mais amplo daquela grande época de preparação da renovação democrática da Alemanha que começa com Lessing e termina com Heine. A derrota da Revolução de 48 leva à malograda fundação reacionária do Império Alemão, ao falso, porque reacionário restabelecimento da unidade nacional do povo alemão. 1918 1945 trazem os colapsos catastróficos desta nacionalização surgida erroneamente. Como na vida de Goethe o tornar-se nação continua a ser uma missão perante o povo alemão.

 A isso chega ainda como de longe a mais decisiva revolução o Grande Outubro do ano de 1917, o surgimento da União Soviética socialista. Começa uma luta da humanidade pelas novas formas de vida perfeitas, uma luta pela dominação das sociedades de classes, da “pré-história da humanidade”. Esse combate terminou com a realização da sociedade socialista na União Soviética, com a grandiosa construção de uma cultura socialista material, espiritual e moral. E a marcha triunfal da nova forma humana do Socialismo não fica nas fronteiras da União Soviética. Ao oeste dela as novas repúblicas populares começam a construir o Socialismo, ao leste dela o Socialismo triunfa precisamente agora nas vitórias do exército revolucionário chinês.

 Só daqui para frente – principalmente do aspecto do ano de 1917 do Socialismo realizado na União Soviética - tornou-se hoje examinável e ponderável: o que Goethe hoje apresenta objetivamente e para nós.

 I.

 Este modo de ver não significa de modo algum um “atualizar” de Goethe. Ao contrário: exatamente considerado deste ponto de vista pode-se expressar a seu ser real, o mais profundo da sua personalidade humana e poética. Pois somente daqui em diante é visível, como o seu efeito hoje se pode renovar; a chamada imoralidade de um grande poeta positivamente não é nada mais que a renovada reprodução contínua de sua eficácia viva. Grandes poetas como Goethe cumprem sempre a “exigência do dia”, mas eles expandem e aprofundam esta sempre, no fato de que eles desenterram e destacam o real problema humano que se encontra nela. Quem perde ou realiza incompletamente este último, envelhece imediatamente, cai no esquecimento.

 Este modo de ver não é nada novo. Todo período pratica-o ingênua ou conscientemente. A questão é apenas: em que período se torna visível alguma coisa de Goethe? A grandeza ou as fraquezas? E ambas: em qual proporção?

 Lancemos um olhar rápido nos períodos principais da crítica da obra da vida de Goethe. Friedrich Schlegel reúne a Revolução Francesa, a filosofia de Fichte e o “Wilhelm Meiser” como as tendências principais do iniciante século XIX. E se nós concebermos aqui a filosofia de Fichte como representante do nascente pensar dialético na Alemanha, então temos diante de nós a mais alta e a mais justa avaliação de Goethe que foi possível durante a sua atividade.

 Após a Revolução de Julho, no tempo da preparação ideológica imediata para a transformação democrática da Alemanha, a imagem de Goethe oscila já mais fortemente. O democratismo de Börne muitas vezes fortemente limitado vê só aquelas rigorosas contradições que separam a sua fase de desenvolvimento da de Goethe; para ele Goethe é o “servo rimado” ao lado do “servo não rimado” Hegel. Seu contemporâneo aliado e adversário Heinrich Heine muito mais previdente considera de muito mais justas tanto a oposição quanto a comunhão intelectual. Ele expressa com determinação inequívoca de um lado “o fim do período artístico”, a separação do desenvolvimento literário da Alemanha de Goethe, mas por outro lado ele também não tem dúvida sobre aquilo que, observado de um ponto de vista histórico superior, todo o desenvolvimento filosófico e poético da Alemanha desde Lessing apresenta um período histórico uniforme, cujo apogeu – com toda crítica – Goethe, “o espelho do mundo”, o “Spinoza da poesia” constitui.

 A derrota da Revolução de 48, a traição da burguesia alemã à sua própria revolução e com isto à unificação democrática da nação alemã, a sua capitulação diante dos Hohenzollern produzem pouco a pouco uma imagem de Goethe totalmente nova. Só agora Goethe aparece como “olímpico”, como semideus terreno elevado acima de todas as fraquezas, como um imediatamente dado grande modelo da conduta da vida humana. Esta imagem de Goethe – nós vamos falar mais tarde mais detalhadamente sobre estas questões – não é nada mais do que um estilizar de todas as fraquezas humanas e poéticas de Goethe, do que um deixar desaparecer dos seus maiores atributos de todos, do que um misturar tudo dos traços significativos restantes com as suas fraquezas e comprometimentos. Esta imagem de Goethe frequentemente realizada com o tempo não é nada mais que uma cortina que encobre, para dissimular os comprometimentos políticos da burguesia alemã, o burguês decair moral através dela, a permanecida miséria alemã em um fantasioso brilho do novo reino, dito melhor, a tentativa de maquiar em torno esta decadência ideológica universal em uma nova virtude.

 No período imperialista acontece um crescer além sempre mais forte dessa imagem de Goethe para a aberta reação aberta militante. Goethe já aparece em Nietsche como o sustentáculo da filosofia de vida imperialista, e esta tendência intensifica-se sempre adiante em Gundolf, em Spengler, em Klages, etc. Não há uma única tendência do Imperialismo reacionário, irracionalista, inimigo da ração, anticientífico, cuja justificação teórica não se buscaria agora na obra da vida de Goethe. E a sempre mais fortemente enfatizada oposição de Goethe à atualidade significa tanto aqui, que esta não continuaria ser suficientemente retrógrada para as reivindicações dos representantes da reação imperialista.

 Esta avaliação nós ouvimos também hoje entre os líderes das ideologias burguesas. Após doze anos do domínio hitlerista, após os anos terríveis da Segunda Guerra imperialista estes ideólogos se comportam ainda sempre como os Bourbonen do tempo da restauração, eles não aprenderam nada e nada esqueceram. Ortega y Gasset vê a essência do mundo na insegurança, no seu estar dominado “pelo poder irracional do acaso”. Ele vê no ser humano uma essência, “que não consegue ser o que é”. (Citação de Mallarmé). E não se pode observar sem ironia, como essas ordens de ideias conduzem Ortega y Gasset sempre adiante e adiante de Goethe, de modo que ele próprio no fim se vê obrigado a esclarecer: “Na situação geral do ser vivo dificilmente se deixaria pensar em uma diferença maior que aquela que separa Goethe de nós”. Com que nós chegamos felizes com aquela teoria do século XIX como período de “segurança”, com qual servente do Fascismo do tipo de Alfred Bäumler justificamos o necessário aproximar-se do “Nazismo”. Também isso não é por acaso. Uma relação viva com o passado só aquele pode ter, cuja perspectiva de futuro não é obstruída. O Fascismo substitui ambas com mentiras. Ortega y Gasset - dobrando com isso para trás ao tempo de preparação do Fascismo, preparando uma nova variedade da reação militante - se vê obrigado a ficar parado pelo desespero e pela falta de relação com o passado progressivo: “Por isso deveríamos nos perguntar: como parece o passado a um ser humano, cujo futuro é o mais incerto, que jamais se confrontou com o gênero humano? O que significa - para nós - o passado? O assunto fica preso no ar... como um enorme ponto de interrogação...”

 Evidentemente houve também nesta época progressivas contratendências. Nós salientamos aqui somente o maior vulto desta tendência: Thomas Mann. Em seus ensaios, em sua criação da figura de Goethe é salva e reestabelecida em um tempo sombrio de reação bárbara, da consequente falsificação da essência de Goethe a sua progressiva e justamente nessa progressividade grandiosa tendência de vida. Mas porque o olhar de Thomas Mann está dirigido concretamente só à problemática sombria da contemporaneidade burguesa, porque a perspectiva de futuro que hoje já é atualidade viva quase na metade do mundo ou amadurece ao encontro de tal atualidade, para ele só aparece abstratamente no horizonte do pensamento, nele se torna de Goethe um vulto gigantesco em um pequeno definhado mundo filisteu. Este pessimismo histórico-filosófico não deixa amadurecer para a concreta perfeição os extraordinários arranques para a sua imagem de Goethe. Nas confrontações polêmicas ele sempre tem razão, assim como ele refutou já no romance de Fausto a opinião de Ortega y Gasset com as palavras do diabo a Adrian Leverkühn, que Goethe em contraposição à arte burguesa de hoje não necessitava de um estímulo demoníaco.

 2.

 Nós vemos: toda imagem de Goethe brotou das correntes e necessidades sociais da respectiva atualidade. Esse conhecimento, todavia, não significa nenhum relativismo histórico, como se o acreditou na filosofia burguesa do período imperialista. Pois por toda parte surge como critério da verdade objetiva: em que sentido de um ponto de vista de classe pode surgir um retrato de Goethe completo e possivelmente adequado. A concepção de Ortega y Gasset é também até aqui notável, porque ela contém a confissão – não intencional – de que o Goethe ainda que tão desfigurado para a inteligência burguesa da época imperialista sempre se torna mais incompreensível.

 Por outro lado já alumia o aproximar do Socialismo, o destacar do ponto de vista marxista na apreciação sempre mais clara da literatura os traços justamente essenciais e positivos de Goethe. Assim Franz Mehring já antes da Primeira Guerra Mundial imperialista salvou de apuros uma mudança decisiva de sua vida, a viagem italiana, do campo das lendas que falsificam e apresentou segundo a sua real essência. Mehring demonstra que Goethe queria como ministro de Weimar reformar a sua pequena terra seguindo os princípios sociais do Iluminismo, isto é, liquidar nela os restos feudais. O fracasso destes seus esforços – e não uma eventual tragédia de amor com Charlotte Von Stein – levou-o a deixar Weimar quase em debandada, a abdicar da atividade de ministro no sentido político e de agora em diante a se dedicar exclusivamente à ciência e à arte.

 Mas mostra-se também que esta mudança era ainda mais pronunciada do que Mehring acreditava; certamente esse ponto alto surge inteiramente em seu espírito. Goethe queria mesmo como ministro de Weimar não somente uma política interior antifeudal, mas também praticar uma política exterior antiprussiana, empreender uma tentativa embora medrosa e acanhada na direção do estabelecimento da unidade alemã. Nós pensamos com isso a tentativa de fundar a assim chamada aliança dos príncipes, que era imaginada originalmente como unificação dos pequenos estados alemães contra a Prússia e a monarquia dos Habsburg, mas que muito contra a vontade de Goethe, deslizou para o outro lado da linha prussiana. É certamente mais do que um acaso que o fracassar de ambos os esforços de Goethe coincida em relação ao tempo com a fuga para a Itália.

 Já estes fatos dão uma perspectiva completamente diferente sobre o olímpico “apolítico”, sobre a sua “solidão” que os interpretes burgueses querem deduzir puramente da sua genialidade. Quando Goethe agora se retira completamente da política ativa, assim isso foi o reconhecimento de uma derrota, o reconhecimento de que da sua posição com os meios que estavam à sua disposição não podia fazer nenhuma política progressiva. Por conseguinte uma profunda resignação. O amadurecido e o idoso Goethe em Weimar é assim um combatente derrotado para a renovação da Alemanha, quase do mesmo modo que Lessing em Wolfenbüttel, ainda que sob essencialmente outras condições externas como internas. O “período artístico” iniciado por Goethe baseia-se pois neste fundamento social.

 Um breve reanimar das tendências anteriores da vida traz para Goethe o período napoleônico. O que significa Napoleão para Goethe? De modo algum aquilo que a lenda da literatura burguesa defende desde Nietsche e Gundolf: o encontro de dois gênios que como gênios se atraíram irresistivelmente um ao outro independente de tendências políticas e sociais. Napoleão via em Goethe o poeta representativo de seu tempo que criou o grande conflito do período pré-revolucionário em “Werther”, o único que seria capaz de escrever a grande tragédia política da época napoleônica. Goethe por seu lado via em Napoleão o herdeiro das tendências sócias da Revolução Francesa – segundo a expressão de Hegel -, o “grande professor de Direito Político em Paris”, o condutor esperado da liquidação do Feudalismo na Alemanha que não precisa para isso reivindicar as forças plebeias do Jacobinismo. Resumidamente: a simpatia de Goethe por Napoleão era a continuação da sua política ministerial de Weimar, um partidarismo às aspirações da liga renana de Napoleão.

 Esta atitude de Goethe esclarece por que ele até o último momento espera pela vitória de Napoleão, por que ele até o fim da sua vida permaneceu admirador e adepto do corso. Isto explica também o seu ceticismo, a sua desconfiança do movimento de libertação. Em uma conversa com o historiador Luden no ano de 1813 ele expressa muito claramente esta mais que justificada desconfiança:

“Afinal, o povo está realmente acordado? Ele sabe o que quer e o que ele pode? ... E cada movimento é pois uma revolta? Revolta-se quem é descoberto à força? ... E o que foi pois ganho ou conquistado? Eles dizem: a liberdade; mas talvez nós o chamaríamos mais corretamente de libertação, pois a libertação não do jugo dos estrangeiros, mas de u m jugo estrangeiro” (Destaque meu G. L.).

Esta linha de desenvolvimento de Goethe não é do mesmo modo episódica para a sua linha de desenvolvimento poética. Não se esqueceria de que só dois dos muitos esboços dramáticos da juventude de Goethe foram executados: “Götz” e “Fausto”, ambos de modo algum por acaso ocorrem na grande época das crises do Feudalismo alemão que se dissolve, na época da Reforma e da guerra dos camponeses. Goethe já sentia instintivamente em sua juventude o que Alexander von Humboldt exprimiu claramente nos anos quarenta que a Guerra dos Camponeses era mesmo uma mudança do destino do desenvolvimento alemão, que a renovação da Alemanha teria de ser entabulada lá, onde esta sofreu uma derrota. Certamente o drama da juventude está ainda profundamente repleto de uma glorificação romântica do salteador e reacionário Götz von Berlichingen. Mas não se esqueça de que o trabalho de Goethe mais concentrado e mais difícil na segunda parte do “Fausto” estava justamente dirigido para o fato de representar esta época de ora em diante com exatidão, objetivamente, com base nas experiências da Revolução Francesa e da época napoleônica. E só esta representação, só a invasão do Capitalismo moderno no mundo regente do sagrado reino romano torna possível a visão final do Fausto agonizante: “Estar em um solo livre com um povo livre”.

 Já este esboço rápido da carreira de Goethe significa a destruição da imagem de “olímpico”. Esta concepção enalteceu todas as derrotas, todos os comprometimentos no modo de vida de Goethe e até mesmo como “sabedoria”, como “perfeição humana”. Agora é nosso dever descobrir desconsideradamente todas essas derrotas e comprometimentos, também aquelas, onde Goethe prosseguiu interiormente na adaptação às más tendências de seu tempo, quando isto era necessário para a proteção da essência da sua personalidade humana e poética.

 Assim surge uma imagem de Goethe de todo outra. Nós vemos um Goethe acorrentado em circunstâncias adversas, repelido reiteradamente em sues esforços principais, humilhado, um Goethe amargamente silente, que se resigna ironicamente. Isto não é mais a rígida estatuía de Zeus da burguesia retrógrada. É ao contrário o Prometeu vivo, o que traz a luz, aquele que certamente na miséria alemã foi forjado frequentemente na pedra, muitas vezes foi mordido pelos abutres da reação.

 Desta forma não é verdade que Goethe jamais foi infiel às suas tendências da juventude. Ele pode ter- se comportado ainda tão diplomaticamente em relação ao seu poema Prometeu na velhice, fica nisso a tendência básica desta poesia, a qual não somente era dirigida contra o deus transcendente, mas também contra os semideuses terrenos do absolutismo feudal alemão. Quando nós descobrimos também no Goethe idoso, da mesma forma como no Hegel amadurecido uma “reconciliação com a realidade”, assim em ambos esta tem dois lados, ela é, como Engels escreve sobre Goethe, “ora colossal, ora mesquinha”. Ela é por um lado o crescente e crescentemente aprofundado reconhecimento da essência da nova formação social do Capitalismo, a investigação ideal e poética, de como seria possível sob as condições desta nova sociedade um desenvolvimento superior da humanidade, portanto uma rejeição ao mesmo tempo do sistema utopista e pessimista, uma tentativa para reconciliar o curso real da história com o desenvolvimento progressivo da humanidade, por outro lado, entretanto, uma série de comprometimentos com os maus e miseráveis modos de aparição desta realidade, com a lenta capitalização da Alemanha sob a conservação das características principais da miséria alemã. Mostrar como sob estas condições exteriores e interiores o princípio do modo de viver de Goethe e a poesia de Goethe permaneceu, porém, progressiva, porém de acordo com Prometeu, é o dever da atual pesquisa alemã sobre Goethe.

 3.

 Só desta base de vida as questões centrais da criação de Goethe tornam-se visíveis. Onde está este ponto central? Significativamente nem imediato nem definitivo no puramente poético. Como todos os poetas da época Goethe é também mais que um mero poeta. Em tempos mais felizes para a arte este mais era, porém, como visível em Shakespeare, completamente incorporável a toda obra da vida, não saindo disso. Não assim em Goethe. Goethe é por um lado a última aparição da época desde a Renascença, a última, cuja universalidade pode reunir em si a ação prática, a ciência e a arte, ainda que mais problemática que esta. Por outro lado Goethe é a primeira grande aparição da literatura universal que está em permanente luta contra a sua própria época, que não é mais carregada por ela como os gênios dos tempos artisticamente mais felizes.

 Esta luta está intimamente ligada com uma das maiores qualidades artísticas de Goethe. Nós não nos referimos aqui apenas à sua mais forte consciência sobre os fundamentos sociais e humanos da arte e das formas artísticas isoladas, sobre o que nós falaremos logo a seguir mais detalhadamente. Além disso, nós descobrimos em Goethe um recente nascer de cada forma em cada uma de suas obras essenciais.

 Da mais variada e individualizada maneira que Shakespeare também pode ter criado, há porém uma forma típica de Shakespeare do drama. Entretanto não há nenhuma de Goethe. De “Götz von Berlichingen” até “Fausto” a forma dramática é recriada cada vez. (Se se observa a questão da forma de fato exatamente, assim, por exemplo, o “Tasso” é algo formal totalmente novo em relação a ”Iphigenie”, para nem se falar da “Filha Natural”).

 E da mais variada e universal maneira que Balzac também pode ter criado, há de novo uma forma típica de Balzac do romance. Mas não há nenhuma de Goethe. “Werther, ambos “Wilhelm Meister”, ”Wahlverwandschaften” (“Afinidades Eletivas”), para nem mencionar “Hermann e Dorohea”, não têm nada em comum em sua construção épica, nos últimos princípios da sua estrutura narrativa.

 Da mesma forma há uma forma lírica típica – para somente citar poetas realmente importantes – em Heine ou Baudelaire. Mas não há nenhuma em Goethe. As cantigas e as odes do período da juventude não têm nada em comum na essência exatamente mais profunda da forma lírica com as “Elegias Romanas”, com a lírica tardia.

 Nas obras ocasionais passageiras Goethe é não raramente convencional ou amaneirado. Mas no essencial tudo nele é sem igual, tudo nascido da oportunidade única do respectivo

tema. O maneirismo nunca chega a entrar nos momentos essenciais das suas obras essenciais, como de modo algum raramente até mesmo em criadores tão importantes da qualidade de Balzac ou de Heine.

 4.

Nesta particularidade mais profunda da poesia de Goethe manifesta-se a sua luta contra a sua própria época. Esta luta é dupla: ela se dirige por um lado, como nós já vimos, contra a miséria alemã, contra o mesquinho Absolutismo alemão impregnado dos despojos feudais. Por outro lado ela contém uma crítica do capitalismo que se aprofunda sempre, que está destinada a remover e destruir esta miserabilidade feudal-absolutista.

 A peculiaridade de Goethe consiste aqui no fato de que ele afirma despreocupadamente tudo de positivo e o avançado no Capitalismo. Conhecem-se as suas observações sobre o Canal de Suez, o Canal do Panamá, o Canal Danúbio-Reno, sobre a América e assim por diante; sabe-se que ele esperou a unificação da Alemanha pela amplificação da circulação. Porém ao mesmo tempo Goethe vê da mesma forma claramente, como o triunfal capitalismo que se aproxima tem a tendência de dissolver, de corromper a cultura e a arte, a personalidade humana.

 A luta de Goethe contra a capitalização do mundo, sua crítica a ela, é, portanto, muito complicada. Ele defende principalmente a arte contra as suas tendências que nivelam e destroem. Ele defende ao mesmo tempo o artista, e até mesmo tanto contra as reivindicações exteriores à arte e antiartísticas da sociedade capitalista como contra aqueles esforços que surgem no próprio artista sob o efeito destas circunstâncias desfavoráveis que o impelem a entrar para a sua interioridade em direção a uma “arte pura”, para um alheamento da vida.

 Nós podemos naturalmente indicar estes problemas aqui só por esboços. Eu remeto, pois, ao universalmente conhecido, ao mesmo tempo com a ênfase, quão atuais são estas posições de Goethe precisamente em nossa época do Capitalismo que degenera e das suas atuações que intoxicam sobre a cultura que ressurge. Conhece-se o conceito de estilo de Goethe que se dirige tanto contra a “simples imitação da natureza”, portanto contra o que hoje nós chamamos de Naturalismo, como contra o “estilo”, com a expressão de hoje: Formalismo. E Goethe reconhece, especialmente em seu importante ensaio “Der Sammler und die Seinigen”(“O Colecionador e os Seus”) e seus comentários, numa correspondência com Schiller, nestes problemas as questões de estilo não somente do seu presente imediato, mas de todo o desenvolvimento moderno da arte desde a Renascença. Aqui se teria referido só às suas observações sobre Raffael e Michelangelo e outras celebridades da Renascença na correspondência com Schiller.

 O efeito imediatamente desfavorável do meio capitalista sobre a arte manifesta-se principalmente na questão da confusão e mistura dos gêneros. A assim chamada criação de Goethe segundo o estilo antigo tem como tendência principal conservar a pureza artística nesta questão decisiva. Ele escreve uma vez a Schiller: “Para mim nisto deu bem na vista, como acontece, que nós modernos estamos tão inclinados a mesclar os gêneros, sim, que nós de modo algum nem sequer estamos em condições de distingui-los uns dos outros... A estas tendências no fundo infantis, bárbaras, insípidas o artista deveria resistir agora com todas as suas forças, distinguir obra de arte de obra de arte através dos impenetráveis círculos mágicos, manter cada um em sua qualidade e suas particularidades, assim como os antigos o fizeram e através disso tornaram-se e foram justamente tais artistas. Mas quem pode apartar o seu barco das ondas sobre as quais ele nada? Contra a corrente e o vento percorrem-se só pequenas distâncias”.

 Mas Goethe percebe ao mesmo tempo também alguns das essenciais causas sociais desta situação: o romper da relação direta entre o arista e o povo através da divisão do trabalho capitalista, através do tornar-se mercadoria capitalista também da arte. Nesse sentido ele escreve igualmente a Schiller: “Lamentavelmente nós inovadores, talvez, também nascemos acidentalmente como poetas e nós nos esfalfamos ao redor de toda a espécie, sem saber ao certo em que realmente estamos; pois as determinações específicas, se eu não me engano, deveriam a dizer a verdade vir de fora e a oportunidade determinar o talento”.

 O empenho poético e teórico-artístico de Goethe estava dirigido para salvar tanto quanto possível contra as tendências objetivas da época este determinado de fora, portanto socialmente definido nas obras de arte, na atividade artística. Nós possuímos para isso grandiosos documentos não só na essência de sua informação artística, cuja particularidade eu caracterizei anteriormente de maneira rápida, mas também em suas exteriorizações artístico-teóricas. Talvez o mais grandioso na separação do épico do dramático na correspondência com Schiller, onde Goethe consegue descobrir aquelas formas fundamentais do comportamento humano e da daí subsequente orientação artística, das quais nascem as diferenças da configuração épica e da dramática.

 Esta clareza estética só foi possível para Goethe, porque ele viu claramente determinadas características importantes do Capitalismo – na medida em que isto para ele era possível histórica e moderadamente pelas classes sociais. Ele viu não só o desenvolvimento capitalista das forças produtivas, qual desenvolvimento ele afirmou incondicionalmente, completamente sem sentimentos – como o episódio Philemon e Baucis mostra na segunda parte do “Fausto” -, mas também as contradições ligadas inseparavelmente com elas, novamente dentro das fronteiras históricas e sociais esticadas a ele. Já no “Werther” é criada esta problemática; ambos os romances “Wilhelm Meister” dão um quadro amplo e profundo sobre a dialética da atividade social do indivíduo na sociedade que se capitaliza; nos “Wahlverwandschaften” (“Afinidades Eletivas”) nós vemos a dialética do amor e do casamento na nova sociedade burguesa, e assim vai isso adiante até o monumental final na segunda parte do “Fausto”.

 Marx já descobriu o caráter capitalista da conhecida frase de Mefistófeles:

“Se eu posso pagar seis garanhões,

As suas forças não são as minhas?

Eu corro demais e sou um homem direito,

Como se eu tivesse vinte e quatro pernas”.

E m meus estudos sobre ”Fausto” eu tratei deste problema pormenorizadamente.

 Aqui seria chamada a atenção só para um único, porém, decisivamente importante problema para a dialética da liberdade na sociedade capitalista. Principalmente temo-lo a ver com a concepção mefistofélica da liberdade no capitalismo. A forma de aparição exterior é na verdade a da acumulação primitiva, a essência vale, entretanto, para toda a época:

“O mar livre liberta o espírito...

Eu não precisaria conhecer nenhuma viagem de navio:

Guerra, negócio e pirataria,

Eles três são unidos, não se podem separar”.

Bastante diferente o problema da liberdade está colocado para o próprio Fausto. Ele se aproveitou até mesmo da ajuda de Mefistófeles, ele pode construir na verdade só através das forças dela o seu intermundium progressivamente capitalista no mundo feudal, que em si se dissolve, ele observa na verdade sem arrependimento a destruição das formas de vida primitivas através da marcha triunfal deste Capitalismo, mas ele sabe com clareza sempre crescente, como ele é envolvido justamente assim na rede de magia demoniacamente capitalista.

 Por isso para Fausto a liberdade é: a libertação da magia mefistofélica, das condições de vida e de ação anti-humanas do Capitalismo:

“Ainda eu não me debati em campo aberto:

Se eu pudesse afastar a magia da minha senda,

Desaprender as fórmulas mágicas completamente,

Se eu ficasse, natureza, diante de você um homem sozinho,

Aí valeria a pena ser um ser humano. –

. . . . . .

Agora o ar está tão cheio de tal aparição,

 Que ninguém sabe como ele a deve evitar”.

Esta contradição é insolúvel não só para Fausto, mas também para Goethe. A sua clara compreensão e a sua genialidade poética manifestam-se justamente no aspecto de que ele cria a contradição insolúvel como insolúvel, de que ele mostra o profundo trágico no indivíduo Fausto, ao mesmo tempo, porém, uma perspectiva para o gênero humano – embora transcendente – apresentada como um todo, de que, apesar do trágico do indivíduo Fausto, Mefistófeles pois não permaneceu vitorioso. Assim efetua-se a solução da contradição entre ambos os conceitos da liberdade só na visão de futuro de Fausto cego, agonizante: “Estar em solo livre com um povo livre”.

 Este conteúdo e esta forma de criação – uma defesa enérgica da integridade do ser humano contra o Capitalismo – se tornou possível só na base de um genuíno exame à essência do Capitalismo correspondente às relações. Goethe está com este exame, ao lado de Hegel, isolado entre os seus contemporâneos. Pois não se trata do fato de notar e criticar determinados lados ruins do desenvolvimento capitalista, determinados dos seus efeitos desfavoráveis sobre a cultura. Isto também os românticos fizeram. O mais claramente marcado é o seu estilo diametralmente oposto ao de Goethe nos comentários críticos de Novalis a “Wilhelm Meister”. Tal anticapitalismo romântico havia na Alemanha desde então quase sempre, até que ele então é degenerado completamente em demagogia reacionária no desenvolvimento que se segue a Nietsche até o Fascismo. A preservação da arte baseia-se, portanto, em Goethe em um verdadeiro reconhecimento da atualidade que se aproxima, que forma, porém, mesmo para ele só um momento no desenvolvimento progressivo de toda a história da humanidade.

 A defesa do artista contra a época capitalista significa um conflito com a divisão social do trabalho nesta formação. Esta defesa, como nós vimos, tem seus dois lados. O mais simples é a luta contra o fato de que os artistas se submetem às exigências falsas, prosaicas, comerciais da economia capitalista de mercadorias. A clara constatação da essência, dos objetivos e meios de uma arte autêntica era neste sentido o centro da obra educativa de Goethe para as gerações vindouras de escritores, e esta educação permaneceu ativa nos melhores até os nossos dias.

 Mais complicada é a luta contra as reações subjetivamente sinceras, mas objetivamente falsas dos artistas a esta situação social da arte, contra o ser introduzido dos escritores em uma subjetividade obstinadamente fechada, em um isolamento e desagregação do modo de viver, na execução de uma arte por causa da arte. Nós já vimos que Goethe se esforçava para compreender as mais abstratas leis formais do gênero como comportamento humano.

 Aqui também a sua luta se dirige contra aquela relação para a vida que surge em virtude de tal falsa reação ao presente. O próprio Goethe sentia que este perigo também o ameaçava.

A sua crítica deste comportamento que toca mais profundo é positivamente a tragédia de Tasso, daquele “Werther elevado”. Tasso em Goethe é aprisionado no próprio mundo artístico da imaginação; apesar de permanente e verdadeiro anseio para a vida surge nele uma estranheza perante a vida. Esta estranheza faz de Goethe a base da sua queda trágica. Mas também no demais Goethe se esforça para mostrar sempre como tal vida e a produção crescente de uma vida deve se tornar necessariamente problemática, e opõe sempre a este comportamento humano a ligação íntima com o presente, com a vida, o aprender da vida. Só de uma vida ricamente vivida pode surgir uma arte autêntica e rica – nisso Goethe e Gorki estão de acordo.

 Esta compreensão, esta obra educativa alastra-se para todos os detalhes da atividade artística. A crítica que Goethe exerce aqui possui uma atualidade profética para os nossos dias, nos quais este alheamento da vida entre os escritores burgueses avançou muito mais adiante que na época de Goethe. Eu escolho da abundância destas críticas que vão ao detalhe somente uma, na qual Goethe – outra vez profeticamente - desmascara o método de observação tornado comum desde o Naturalismo. Ele diz a Eckermann: “Eu nunca observei a natureza com fins poéticos. Mas porque o meu desenho anterior da paisagem e depois a minha posterior investigação da natureza me levaram a uma constante consideração precisa dos objetos naturais, então eu decorei gradualmente a natureza até os seus mínimos detalhes de tal modo que, quando eu como poeta preciso de alguma coisa, isto está à minha disposição e eu não peco facilmente contra a verdade”. Assim também Balzac e Tolstoi “observaram” a sociedade. Só de uma vida rica surge uma literatura mais profundamente verdadeira.

5.

 A literatura burguesa de Goethe fala sempre da grande personalidade de Goethe. E a exemplaridade do “olímpico” serviu para o fato de servir à “arte da vida” dos estetas e egoístas burgueses, que sempre se torna mais vazia, mais superficial e mais frívola para o apoio intelectual moral. No imperialismo anterior à guerra esta “parte da vida” ultrapassou gradualmente de Goethe a Oscar Wilde, entre ambas as guerras mundiais a Kierkegaard.

 O desenvolvimento do indivíduo, a defesa da sua integridade pessoal, intelectual, artística e moral contra os efeitos cotidianos do sistema capitalista criam na verdade um momento importante do modo de viver e da obra de Goethe. O que decide, porém, é a concepção de personalidade, a concepção da relação entre o ser humano e o gênero.

 Em contraposição ao desenvolvimento burguês posterior, esta relação em Goethe é a mais imaginavelmente estreita. Ele diz no ano da sua morte a Eckermann:

“No fundo, porém, todos nós somos seres coletivos, nós gostamos de nos colocar como nós queremos. Pois como temos e somos pouco, o que nós chamamos no mais puro sentido a nossa propriedade! Nós devemos aceitar todos e aprender, tanto daqueles que estiveram antes de nós como daqueles que estão junto a nós. Mesmo o maior gênio não chegaria longe, se quisesse agradecer tudo ao seu próprio interior. Mas isso muitos muito bons seres humanos não entendem e às apalpadelas andam com seus sonhos de originalidade a metadeda vida na escuridão...

Eu talvez possa falar de mim mesmo e dizer modestamente como eu sinto. È verdade, na minha longa vida eu fiz e realizei várias coisas do que eu pudesse talvez me vangloriar. Mas o que tive, se nós desejamos ser sinceros, o realmente meu foi, como aptidão e inclinação, ver e ouvir, diferenciar e escolher, com algum espírito vivificar o visto e o ouvido e com alguma habilidade interpretar. Eu devo a minha obra em caso algum só à minha própria sabedoria isoladamente, mas a milhares de coisas e pessoas além de mim que me ofereceram o material para ela... Eu não tinha nada mais a fazer do que aproveitar a oportunidade e colher o que outros tinham semeado para mim.

É no fundo também uma tolice, se alguém tem algo de si, ou se o tem de outros, se alguém atua através de si, ou se atua através de outros: o principal é que se tenha um grande querer e se possua a aptidão e a perseverança para executá-lo; todo o resto é indiferente”.

 Assim olhando retrospectivamente para a prática de sua vida Goethe coloca o problema da ação recíproca íntima e ininterrupta do ser humano para o gênero, da certeza ininterrupta de cada exteriorização vital da personalidade através do desenvolvimento da espécie humana.

 Isto é naturalmente um problema da época, uma questão, que ocupa fundo todos os grandes precursores e contemporâneos de Goethe. Já Lessing coloca esta questão muito energicamente em seus últimos escritos; a filosofia da história de Herder está determinada no lugar mais fundo por esta posição do problema. Mas com clareza decisiva só o maior pensador alemão e o maior poeta alemão deste período colocaram este problema em questão: Hegel e Goethe. Esta relação junta as duas maiores obras da época clássica alemã: o “Fausto” de Goethe e a “Fenomenologia do Espírito” de Hegel. Ambas as grandiosas obras têm no Iluminismo alemão os seus precursores importantes. Ma o que distingue Goethe e Hegel aqui para com os seus antecessores e contemporâneos é que eles estão em condição de colocar a questão central, a relação e ação recíproca entre o indivíduo e a espécie humana mais sensatamente, mais próximo à realidade e mais dramaticamente. Já no fragmento do Fausto de 1790 aparece esta questão com todo o patético lírico-dramático de Goethe. Fausto diz:

“E o que é concedido a toda humanidade,

Eu quero desfrutar em meu eu interior,

Com o meu espírito apanhar o mais alto e o mais profundo,

Acumular em meu peito o seu bem e a sua dor,

E assim expandir o meu próprio eu ao seu eu ...”

Esta mudança mais dramática, mais dialética do problema só aparece após a Revolução Francesa, é um produto da nova situação mundial criada por ela, uma generalização das suas experiências. Nos grandes iluministas vivia o ideal da possibilidade de realização do reino da razão. Este reino eles esperavam da Revolução Francesa. Seu triunfo, entretanto, criou uma situação bastante nova, mais dramática e mais dialética, enquanto ela, despreocupada com a sua formulação ideológica, concretizou o conteúdo materialmente social deste ideal. Engels exprime brilhantemente esta virada, quando ele constata que o reino de razão realizado pela Revolução Francesa mostra-se como o reino da burguesia.

 Com isso pela primeira vez as reais contradições entre indivíduo e espécie podem distinguir-se claramente na vida e ser compreendidas de modo poético como ideal. O otimismo do desenvolvimento dos grandes iluministas em princípio não problemático, não trágico (pensar-se-ia no fragmento de Fausto de Lessing) está com isso fracassado. Mas isso está longe de significar uma desistência do otimismo do desenvolvimento em relação ao desenvolvimento da humanidade. A linha do desenvolvimento da espécie que sempre indica para cima consiste, portanto, agora de uma série de tragédias individuais. Hegel formulou essa constelação como a “astúcia da razão” e a exprimiu na época da preparação da “Fenomenologia do Espírito” em relação ao fim de Robespierre assim: “A sua força o abandonou, porque a necessidade o tinha abandonado, e assim ele foi derrubado com violência. O necessário acontece, mas cada parte da necessidade costuma ser concedida só a indivíduos isolados”. Goethe escreve em uma carta a Zelter exatamente no mesmo sentido: “O ser humano dever ser arruinado novamente! Todo ser humano especial tem uma determinada missão que ele está designado a executar. Se ele a cumpriu, então ele não é mais necessário na terra nesta figura...” E Hegel exprime assim em sua Filosofia da História a relação universal deste problema: “O especial tem o seu próprio interesse na história do mundo; ele é algo finito e como tal deve perecer. É o especial, que se debate com o outro até a exaustão, e do qual uma parte é arruinada. Mas na luta, na queda do especial resulta o universal”.

 Tal filosofia – tácita – é o fundamento da composição de Fausto: as tragédias no microcosmo das individualidades particularizadas formam o caminho para o se revelar do avanço inexorável no macrocosmo do gênero humano. Daí o otimismo inabalável de Goethe, que toca o todo do gênero humano, daí a sua concepção e representação realisticamente não sentimental das tragédias individuais ainda tão profundamente sentidas.

 Nesta base filosófica surge a poesia universal de Fausto. Ela abrange o desenvolvimento da humanidade em uma relação homogênea que alcança e abrange poeticamente até o presente de Goethe. Goethe está inteiramente consciente sobre a particularidade desta composição. Por ocasião da publicação do fragmento da Helena ele escreve a Wilhelm von Humboldt: “Eu tenho de vez em quando continuado a trabalhar nisso, mas a peça não pode ser acabada como na abundância dos tempos, porque ela pois representa agora os seus 3000 anos completos, da queda de Troia até a ocupação de Missolunghi. Isto se pode assim também tomar por uma unidade do tempo, no sentido mais alto; mas a unidade do lugar e da ação é também observada o mais precisamente no sentido habitual”.

 Mas esta unidade ideal e poética tem a sua base real no desenvolvimento social, ainda que Goethe e Hegel não puderam reconhecer adequadamente as suas verdadeiras leis. Esta base que o ser humano cria para si próprio, desenvolve para si próprio está em seu trabalho, através de seu trabalho. Marx em sua crítica à “Fenomenologia” de Hegel determinou o significado do trabalho até o ponto em que o ser humano “realmente tira dele todas as suas forças do gênero”... Isto é o teor ideal e poético do ato final da segunda parte do “Fausto”. Isto é o que nem o Romantismo liberal de Vischer nem o Romantismo reacionário de Gundolf puderam e quiseram entender. Ambos viram lá uma prosa, onde Goethe criou a mais profunda poesia do desenvolvimento da humanidade, sua automovimentação através da própria prática, através do próprio trabalho.

 Esta concepção do destino da humanidade grandiosa, real, sobriamente não sentimental e ao mesmo tempo heroico-trágica determina a clara profundidade da poesia de Goethe. Eu tentei apresentar em outros contextos como a “incomensurabilidade” da forma do poema de Fausto é, pois, completamente racional e orgânica no sentido poético, enquanto esta forma também aqui brota organicamente de um material único e simultaneamente racional. Mas isto só é por isso possível, porque o material e sua organização poética não contêm somente o humano no sentido individual, mas está ligado inseparavelmente com o destino da espécie, com o destino da humanidade.

 O poeta na acepção de Goethe é o portador e anunciador deste desenvolvimento superior do gênero humano – sempre cercado de tragédias individuais. Goethe renova aqui a antiquíssima missão da arte e literatura: de ser o veículo do desenvolvimento da consciência da humanidade sobre si mesmo. Eis porque isso é um credo do poeta Goethe que excede sobre a ocasião que provoca:

“E se o ser humano emudece em sua dor,

Um deus deu-me a dizer o que eu sofro...”

A poesia de Goethe é a poesia da expressão idealmente articulada que traz a realidade subjetiva como objetiva para a clareza, para a ideia. Isto, entretanto, não é uma questão da poética no sentido mais restrito, mas a da visão do mundo. Pois o ato de se expressar de que se trata aqui, não é a clareza gramatical das locuções isoladas, mas a questão, se a poesia é um exprimir da razão que se torna sempre mais clara nos acontecimentos mundiais ou um emudecer diante da sua falta de sentido e pretensa impossibilidade de expressão.

 O último é a posição básica humanamente poética da decadência, se a sua literatura quiser se expressar claramente nos seus pormenores ou - de modo consequente - transcrever a confusão da imagem do mundo para a expressão do detalhe, para a escolha da palavra, para a gramática, etc., como o fizeram o Dadaísmo e o Surrealismo. Mas independentemente de tais diferenças artísticas a arte da decadência significa a do irracionalismo, da impossibilidade de articulação interna, do emudecimento em vista de um caos subjetivamente percebido. E isto – considerado deste contexto – por causa de que o indivíduo que faz poesia em sua consciência, em sua imaginação presunçosa desprendeu-se do destino da espécie, porque ele não é mais conscientemente quem trabalha como cocriador do destino da espécie.

 Dever-se-ia revisar toda obra da vida de Goethe para se destacar devidamente esta oposição à decadência, que é de decisiva importância para o atual desenvolvimento superior da literatura no países onde ainda a luta entre o velho e o novo não está decidida. Também aqui nós podemos salientar só alguns pontos de vista importantes.

 O caminho determinante do fazer poesia na decadência é a introspecção. Enquanto se mergulha nas “profundezas” da própria alma, enquanto se sutilizaram métodos pseudocientíficos para este auto pesquisar (Freudismo), julga-se atingir de agora em diante as verdadeiras, as efetivas “profundezas” da vida. Goethe só vivenciou os primeiros de todos os começos de tais tendências, mas já os refeitou radicalmente. A sua rejeição, entretanto, vai, como em todas as questões, muito além da poética e da teoria da arte no sentido mais restrito e se torna um problema generalizado do modo de viver. Em uma conversa com Eckermann sobre essa questão Goethe diz o seguinte: “Disse-se e se repetiu em todos os tempos que se deveria pretender conhecer-se a si mesmo. Isto é uma estranha pretensão a que até agora ninguém bastou, e a que no fundo também ninguém deve bastar. O ser humano com todo o seu sentido e ambições depende do exterior, do mundo em volta dele e ele o deve conhecer conquanto e conquanto se sujeitar, quando ele o necessita para os seus propósitos. De si mesmo ele só sabe quando ele desfruta ou sofre, e assim ele também só se instrui através dos sofrimentos e alegrias de si, o que ele deve buscar ou evitar”. Para Goethe há, portanto, só um caminho para o autoconhecimento, o da ação prática na sociedade. Toda a introspecção ele rejeita como caminho errado que conduz aos pântanos da subjetividade vazia.

 Se nós então mencionamos como um segundo exemplo o posicionamento de Goethe para com a burguesia, nós nos distanciamos aparentemente para muito longe da decadência. Na realidade trata-se de da mesma questão, pois aos olhos de Goethe os seres humanos da subjetividade exaltada são somente uma variedade do burguês. A sua definição – nas “sátiras mansas” – soa assim:

“O que é um burguês?

Uma tripa oca,

Ocupada com medo e esperança,

Valha-me Deus!”

Aqui o medo e a esperança são as determinações decisivas. Elas são as formas do pensamento e do sentimento dos seres humanos que imaginam ter se desprendido subjetivamente da prática do gênero humano, para os quais, portanto, a boa ou a má saída de seu destino individual é o único decisivo. A grande filosofia da ascendente classe burguesa – nos limites das suas possibilidades – combateu esta visão do mundo e tenta sob a renovação do Estoicismo ou do Epicurismo, libertar a moral destes vales e estreitezas egoístico individualistas, sobretudo assim Spinoza. E Goethe é aqui continuador de Spinoza, quando ele no Cordão Carnavalesco da segunda parte do “Fausto” apresenta encadeados o medo e a esperança como os ”dois dos maiores inimigos da humanidade”. Também esta rejeição do medo e da esperança em Goethe vem da ligação íntima do destino individual com o gênero humano. Enquanto ele observa as tragédias individuais, também a sua própria, serena e não sentimentalmente desde esta altura da visão do mundo, ele pode rejeitar o estar aprisionado â subjetividade mera e abstrata da mesma forma serenamente como burguesia.

 Daí também, para analisar esta questão uma vez do ponto de vista da abordagem literária, a opinião de Goethe sobre a poesia de seus contemporâneos. “Clássico eu denomino o saudável, romântico o doente”. Saudável e doente devem-se entender aqui neste sentido da ligação consciente com a sociedade, com a humanidade e seu desenvolvimento ou com a separação subjetivamente decadente dela. Por isso Goethe rejeita Kleist como doente. E quando os admiradores atuais de Kleist o acusam por isso com o fato de que ele não compreende o artisticamente novo em Kleist, de que ele julgou de um ponto de vista inadequado, antiquadamente classicista, então deve-se perguntar, por que Goethe não era por demais antiquadamente classicista, para ser capaz de acolher com compreensão em seus últimos anos de vida as primeira grandes obras de Balzac e Stendhal? O saudável e o doente não são mesmo em Goethe categorias formalísticas de uma poética classicista, mas expressões para um comportamento correto ou distorcido para a vida social, do qual surge com necessidade uma literatura adaptada à realidade ou que reflete distorcidamente.

 6.

 O ser direcionado do criar de Goethe sobre o saudável possui, entretanto, um destaque especial, pelo qual impossivelmente pode passar despercebido mesmo o observar rápido da sua obra da vida. Nós nos referimos ao problema da beleza e com ela o da relação à antiguidade.

 Trata-se aqui de uma questão que é ao mesmo tempo mais profundamente condicionada à história e de grande importância universalmente estética. A renovação da beleza da antiguidade é – em modo diferente em conformidade com as épocas e as condições das classes – a grande anunciação esteticamente política, programaticamente ideológica da liquidação do Feudalismo na Europa. No período de preparação da Revolução Francesa, nela mesma e em suas consequências imediatas remove-se a ênfase deste estilo clássico também sobre a luta contra a monarquia absoluta. Goethe é a figura mais expressiva desta tendência europeia que se estende de Winckelmann e Alfieri até Shelley e Hölderlin.

 O que importa aqui é indicar resumidamente a posição especial de Goethe neste contexto. Sobretudo deve-se ver claramente que justo nele a questão da beleza está ligada mais intimamente com o problema agora mesmo tratado, com a união íntima, dialética dos seres humanos isolados e o gênero. A beleza só pode surgir para Goethe onde o especial do ser humano isolado revela o gênero em todas as suas determinações, onde o seu mais individual modo de aparição é uma expressão imediata do universal, da lei. ”Pela a lei, segundo a qual você se apresentou, assim você deve ser...”

 Mas isso é ainda uma determinação demais distante. Pois o impor-se da lei pode ser organicamente sem problema ou distorcidamente problemático. E Goethe era excessivamente realista, assistia à sua época por demais sensatamente sem problema, para deixar passar por si despercebidamente as contradições que aqui surgiam. O ponto de vista da saúde, da relação do ser humano e o gênero produziu neste caminho a perfeição artística da forma de muitas de suas obras. Entretanto também a perfeição artística é algo muito mais amplo que a beleza. Goethe viu-se obrigado, quando ele compôs o episódio da Helena e tinha nisto receios e escrúpulos, de incluir esta no confuso mundo de Fausto, de recorrer às “vantagens bárbaras” que seu conteúdo prescreveu necessariamente para a forma.

 Beleza é um caso especial da perfeição artística. Um especial, pois nisso ele deve levar um conteúdo que contenha em si já a harmonia para a sua própria forma, para a beleza; um especial, pois a purificação do conteúdo demais obsequiosa, demais cuidadosa pode muito facilmente afastada a obra da vida, tornar o conteúdo abstrato e superficial, a forma classicista-acadêmica.

 A aspiração à beleza de Goethe esta ligada por um lado intimamente com a sua grande concepção da natureza e suas regularidades. “O belo”, diz ele, “é uma manifestação das leis ocultas da natureza, que sem esta aparição teriam ficado eternamente encobertas”. E ainda mais concretamente na “Metamorphose der Tiere” (“Metamorfose dos Animais”):

“Portanto, a forma determina o hábito do animal,

E o modo, de viver, ele exerce reação poderosa sobre todas as formas...

Estes limites nenhum Deus estende, a natureza os respeita

Pois, somente assim limitado nunca o perfeito foi possível.”

Esta natureza tão grande, mostrando-se compreendida cientificamente tão ampla no futuro determina em Goethe também a beleza humana. O “produto final da natureza que sempre se intensifica”, diz Goethe em sua publicação Winckelmann, “é o belo ser humano”. Mas a natureza pode produzi-lo só raramente e também então sem duração. Poder-se-ia dizer, “seria somente um momento, no qual o belo ser humano seria belo”. Proporcionar duração só a arte pode, a obra de arte; “pois no que ela se desenvolve espiritualmente do total das forças, assim ela absorve em si todo o maravilhoso, o digno de respeito e de amor e se ergue, em que ela anima a figura humana, o ser humano sobre si mesmo, fecha o seu círculo de vida e de atuação e o idolatra para o presente, no qual o passado e o futuro estão compreendidos”,

 Onde as circunstâncias internas e externas da vida o permitiram a Goethe conseguir exteriorizar de tais conhecimentos e convicções, surge não somente a perfeição artística, mas também a beleza. O ensaio Wilckelmann mostra a contento como aqui o modelo da antiguidade era orientador. Todavia meramente no ser dirigido ao saudável e essencial humanamente, individualmente moderado pelo gênero, de modo nenhum no sentido de um Classicismo que estiliza. O Goethe idoso aconselha aos jovens artistas: “O jovem artista juntar-se-ia às danças dos camponeses domingos e feriados, ele ficaria sabendo do movimento natural e daria à moça do campo a roupagem de uma ninfa, ao rapaz do campo um par de orelhas, quando não até pés de bode. Se ele captura a natureza corretamente e sabe dar às personagens uma decência nobre e livre, assim nenhum ser humano percebe de onde ele o tem e cada um jura, ele o teria tomado da antiguidade”. De tal modo de pensar, de tal prática nasceram os grandes personagens de Goethe da Iphigenie até a Gretchen, do Egmont até o Valentin.

 Entretanto a vida na miséria alemã tornou para ele impossível um resistir consequente nesta conduta artístico-humanística. Ele fala consideravelmente sobre si mesmo, quando ele salienta a “natureza clássica” de Winckelmann, que definitivamente não podia reprimir a baixeza, o desgosto: “Assim que ele apenas chegou a uma liberdade conveniente para ele, ele aparece bastante completo, total+mente no sentido clássico.”

 No próprio Goethe mistura-se - em diferentes períodos, em diferentes círculos da vida diferentemente – liberdade antiga e resignação antiga tardia, estoico-epicurista. Nós vimos como para Goethe a liberdade estava muito associada também como condição de vida da arte, com a libertação da miséria alemã, com a libertação da magia mefistofélica. Há mais de uma década eu chamei a atenção com insistência para o seu importante ensaio sobre o “Literarischen Sansculottismus” (“Movimento Literário dos Revolucionários Proletários”) para o fato de que os pressupostos sociais e nacionais ali citados de uma arte clássica, a transformação democrática, a unidade nacional criam a chave para a sua concepção da arte. Mas ao mesmo tempo também para o fato de que a conclusão resignada: “Nós não queremos desejar as transformações que poderiam preparar as obras clássicas na Alemanha”, dá o esclarecimento a isto, por que Goethe nem sempre foi clássico-antigo no sentido caracterizado acima por ele mesmo, mas inclinou-se não raramente, mais ou menos, a um classicismo que estiliza. Também aqui, como em toda parte, devem em Goethe ser separados a vitória e a derrota, a resignação, o comprometimento, o “colossal” deve ser divorciado do “mesquinho” (Engels).

7.

 Esse Goethe em sua verdadeira grandeza, com os seus limites históricos, sociais, da moderação de classes, com as suas derrotas e comprometimentos tornou-se para nós só perfeitamente visível desde que a vitória do socialismo se tornou realidade.

 Isto não deve significar de modo algum como se Goethe tivesse sido um socialista em qualquer sentido, também nenhum precursor, nem mesmo por um momento um pressagiador do Socialismo. É pueril, quando os intérpretes burgueses querem interpretar “Os Anos de Aprendizagem” mais ou menos socialistamente. Goethe é o maior, o mais universal, o mais completo vulto de um estado anterior no qual está contido efetivamente muito que remete ao futuro, mas na verdade só pode ser compreendido, quando o estágio mais alto já foi realizado.

 Para tornar isto realmente claro nós deveríamos recapitular tudo a partir daqui e colocar em um novo exame o que nós até agora expusemos sobre Goethe. Isto é infelizmente impossível no limite de uma conferência. Eu só aponto para a concepção de Goethe sobre a problemática da arte no Capitalismo, para as suas tentativas de superar esta problemática, e para o fato de que o Socialismo do ponto de vista social traz para a solução exatamente isto, que segundo Goethe a arte de seu tempo tornou tão problemático, que, como se sabe, as “determinações específicas” de fora, de fora da arte, são levantadas da parte da sociedade, que assim no Socialismo a arte perde justamente aquele isolamento social, sob o qual Goethe tão profundamente sofreu e de cujas consequências devastadoras para o desenvolvimento da arte ele tentou superar tão heroicamente.

 Desta mesma forma isto está na questão da nação. Goethe, como os outros vultos importantes deste período , era um grande poeta nacional sem nação. Então justamente o desenvolvimento do socialismo na União Soviética resolveu exemplarmente o verdadeiro tornar-se nação. Até mesmo os povos, que até o Grande Outubro não tinham história ou que perderam a continuidade histórica de seu desenvolvimento nacional, desenvolveram-se aqui em verdadeiras nações. E este tornar-se nação no Socialismo, na União Soviética está ligado inseparavelmente com a unificação fraternal das diferentes nações, pelo que igualmente um sonho de Goethe tornou realidade.

 Também a questão da beleza aparece aqui em uma nova luz. A sua natureza duvidosa, a sua raridade, a sua incapacidade para a permanência provêm sim igualmente das contradições antagônicas das sociedades de classes, sobretudo do Capitalismo. E justamente para Goethe, para quem a beleza nunca foi um problema formal estético em sentido estrito, mas a expressão de uma harmonia real do indivíduo com a espécie, do ser humano com a natureza, como os seus semelhantes, surge devido à supressão das contradições antagônicas do desenvolvimento social a realização do seu mais profundo anseio pela vida.

 Nós poderíamos continuar esta enumeração quase em todos os problemas do modo de viver, da obra da vida de Goethe. Nós queremos nos concentrar, todavia, aqui naquele problema que também até agora esteve no centro de nossa apresentação, no problema da relação do indivíduo e a espécie. O que Goethe e Hegel viram e previram o que eles nas circunstâncias dadas de então conseguiram para criar só em uma solidariedade tragicamente antagônica, respectivamente para levar ao conceito, é hoje na União Soviética Socialista uma experiência quotidiana e grande, sensata e heroica de centenas de milhões de seres humanos.

 Já quando Liebknecht e Dimitroff se defenderam como réus em um tribunal da classe burguesa, a sua defesa evoluiu para uma acusação: em nome da classe revolucionária, da nação progressiva, da humanidade, da espécie humana, cujos genuínos interesses progressivos eram representados justamente pelo proletariado, a sua acusação desmascarou os degenerados indivíduos e as classes que impediam o progresso.E quando Lenin e Stalin elevaram as experiências do movimento revolucionário dos trabalhadores ao termo e à prática conscientemente conduzida do proletariado, deixou-se falar nisto, na voz da classe trabalhadora, a do gênero, a da libertação da humanidade e se uniu inseparavelmente com a voz, com a prática da vida destas imponentemente grandes personalidades.

 E a prática socialista da União Soviética de mais de trinta anos mostra: cada ser humano está em solo livre com um povo livre; enquanto ele trabalha, enquanto ele absorve em si conscientemente as experiências do trabalho da humanidade, enquanto ele aproveita o seu desenvolvimento pessoal em seu trabalho para o enriquecimento das experiências do gênero humano, enquanto a sua atividade provoca nele mesmo e naqueles que com ele cooperam as verdadeiras forças da espécie, está realmente lá, atua e desenvolve-se realmente lá, aonde Fausto chega simplesmente nas suas visões do futuro depois de longos, graves, trágicos erros.

 Pois a libertação da magia, das correntes mágicas do Capitalismo – um problema tragicamente insolúvel para Fausto – já está aqui executada. O Grande Outubro afugentou Mefistófeles juntamente com as suas forças mágicas do palco da História.

 Em segundo lugar a realização de Fausto se tornou meramente terrena. Goethe pode criar só a salvação do mais interior cerne humano de Fausto diante de Mefistófeles. A própria salvação, a realização do anseio de Fausto devia permanecer transcendente vista idealmente,  ser transferida artisticamente para o céu. Esta cena do céu é um grande sinal da sobriedade e honestidade ideal de Goethe, assim como da sua força de criação poética. Pois a inconsistência vista espontaneamente abstrata, é que Fausto só pessoalmente, subjetivamente não é derrotado, que é impossível uma vitória objetiva sobre Mefistófeles sob as circunstâncias histórico-sociais de Goethe, mas que apesar disso Mefistófeles é vencido e a espécie humana afinal de contas de um modo desconhecido para Goethe sempre triunfa e avança adiante: tudo isto só pode ser evidenciado artisticamente através da cena do céu.

 O céu da última cena é assim a criação da continuidade da vida da espécie transcendente par Goethe, em concretização terrena não realizável, infinita, progressista e nela a da realização do indivíduo. Aqui a polêmica de Goethe contra a esperança burguesa individual recebe uma verdadeira neutralização no sentido positivo como no negativo: quando é dada a perspectiva do desenvolvimento social cientificamente fundamentada para cada indivíduo também como a sua própria perspectiva de futuro, esta esperança deixa de existir, mas ao mesmo tempo cumpriu-se todo o direcionar-se ao futuro, legítimo pois ao mesmo tempo individual e coletivo.

 O conteúdo histórico da cena do céu tornou-se terreno no Socialismo: prosaico, quotidiano, prático e heroico. Entretanto justamente enquanto o novo desenlace de Fausto moderado pelas classes e pelo conteúdo deve ir além de Goethe, além do seu mais amplo horizonte, ele confirma as suas tendências mais profundas da visão do mundo e poéticas. Pois estas precisamente são acima de tudo e o mais profundamente terreno universais, terrenamente populares, sensorialmente massivas. Goethe diz sobre si mesmo com razão que ele teria sido em substância muito mais democrático que Schiller. Nunca se esqueceria de quais esforços da sua sabedoria artística isso necessitou, para que o final celestial transcendente do “Fausto” conseguisse então uma imanência patente do terreno ou ao menos se aproximasse dela. O criador da Gretchen e da Klärchen, da Dorothea e da Philine é confirmado em sua mais genuína essência poética, quando a realização da atividade humana, individualmente moderadora do gênero, da vida individual se torna puramente terrena. O aluno e contemporâneo de Lukrez e Spinoza é reconhecido em suas mais profundas tendências ideais, quando a encarnação da humanidade resulta puramente das próprias forças, da humanidade imanente dos seres humanos trabalhadores, da vitoriosa classe dos trabalhadores.

 O Socialismo ultrapassa teoricamente para muito além do horizonte de Goethe e com maior razão em sua concretização prática. Mas justamente a partir daqui os seus melhores, os seus mais altos atributos recebem uma nova luz. Justamente porque ele não parece reinar como “olímpico” acima das lutas humanas, justamente porque as suas fraquezas e as suas máculas, as suas derrotas e os comprometimentos, os seus limites tornam-se impiedosamente visíveis nesta luz, ele aparece como amigo e companheiro de viagem dos atuais construtores de um novo mundo digno do ser humano, como guia artístico para a saúde para fora da lama de uma patologia da arte, para fora da lama de uma simpatia com a doença e o apodrecimento, com a decomposição e com a morte, como Thomas Mann o formulou tão corretamente para a arte moderna.

 Um século e meio oscilou a imagem de Goethe também nos mais honestos e melhores pesquisadores. Somente a realização do Socialismo, a vida dos povos livres da União Soviética dá um foco para ver Goethe realmente de modo correto, um critério para dignificá-lo imparcialmente, com amor conveniente. Concretizar esta imagem de Goethe só agora tornada possível é a missão do nosso tempo.